O que nos salva?

No meio dos dias difíceis e em que nos sentimos tão perdidos, o que nos salva? O que nos abrevia as fraquezas? As faltas de coragem? As tristezas e as dificuldades? Salvam-nos os nossos. Os amigos de cada dia. As pessoas que dividem connosco as nossas angústias, mágoas, raivas de estimação. Salvam-nos os nossos. A nossa família-raiz que nos sustenta mesmo quando não sabemos para que colo correr. Salva-nos a oração. O colocar as mãos juntas e o rezar como quem está disponível para não compreender, não saber, não conseguir mais. O colocar no Céu as escuridões que nos diminuem a alegria. Salva-nos o vento a bater na cara num dia quente. Salva-nos o barulho do vinho a escorregar copo abaixo. Salva-nos a espuma do mar a perseguir os nossos pés ainda demasiado brancos de sol e de verão. Salva-nos o sorriso de quem nos abre a porta e nos deixa passar. De quem espera por nós. De quem prepara uma refeição a contar connosco. Salva-nos saber que somos amados. Que somos diferentes de todos os outros e que é nessa diferença que nos encontramos a meio caminho. A meio da ponte. Salva-nos saber que os dias maus também passam e que o sol brilhará, na mesma, indiferente às nossas amarguras. Salva-nos a fé. O querermos ser vaso para que a paz se cultive, também, a partir de nós. Salva-nos vivermos em comunidade. Em conjunto. Mesmo quando nos sentimos mais sozinhas. Salvam-nos os refúgios em forma de gente. Ou os refúgios lugares. O mar. A serra. O verde. A casa dos nossos. O café do costume. O restaurante de sempre. Salva-nos ter a certeza de que não vivemos (nem estaremos!) nunca sozinhos. Vamos acompanhados. O que vivemos é vivido (e partilhado) por mais almas. Por mais pessoas. Por mais silêncios. Nos dias que não são bons, sê bem. Faz o bem. O bem custa menos do que qualquer outra coisa. (© iMissio)
VI Domingo da Páscoa

A Palavra de Deus do VI Domingo da Páscoa dá-nos a certeza de que Jesus Ressuscitado nunca nos abandona, mas está continuamente presente, acompanha-nos e guia-nos através do seu Espírito. A primeira leitura (Act.15,1-2.22-29) relata-nos as primeiras divergências surgidas pela entrada de gentios nas comunidades primitivas. A tensão que se gerou entre judeus e gentios, devido essencialmente à obrigatoriedade destes observarem da Lei de Moisés, nomeadamente no que concerne à circuncisão – «Se não receberdes a circuncisão, segundo a Lei de Moisés, não podereis salvar-vos» – , levou a que Paulo, Barnabé e alguns discípulos, em representação da Igreja de Antioquia, se deslocassem a Jerusalém, a fim de reuniram com os Apóstolos, representantes da Igreja de Jerusalém, e tomarem, em conjunto, uma decisão (A realização desta reunião foi considerada o primeiro concílio da história da Igreja). Iluminados pelo Espírito Santo, foi então tomada a decisão de que não se devia pedir aos gentios que seguissem a cultura judaica, porque o que era verdadeiramente essencial era a sua vontade de conversão a Jesus Cristo. Como expressa o texto a decisão não foi simplesmente humana, mas também divina: “O Espírito Santo e nós decidimos…” A Igreja de hoje, formada por todos os baptizados, deve seguir o exemplo dos Apóstolos e, perante as diversas questões que o mundo actual coloca, escutar o Espírito Santo, para que tenha o discernimento de decidir correctamente e de acordo com o que é essencial da fé cristã: a centralidade de Cristo e do seu Evangelho na vida quotidiana. A segunda leitura (Ap 21,10-14.22-23) fala-nos de uma visão de João. Essa visão representa a Igreja definitiva, a Jerusalém Celeste, onde viverá a humanidade inteira na presença de Deus e participando da Sua glória. A imagem que João nos transmite é a de uma cidade inabalável e esplendorosa, onde não há templo, porque o seu templo é o Senhor Deus omnipotente e o Cordeiro, nem necessidade de luz, porque a glória de Deus a ilumina e a sua lâmpada é o Cordeiro. Esta visão da Jerusalém Celeste, a morada de Deus, simboliza o estado de plena felicidade em que permaneceremos com Deus, depois da nossa peregrinação terrestre. No Evangelho (Jo 14,23-29), constituído por uma passagem da última Ceia, Jesus Cristo, no final do seu discurso de despedida, disse aos seus discípulos: «Quem Me ama guardará a minha palavra e meu Pai o amará; Nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada; e «Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos recordará tudo o que Eu vos disse». Jesus mostra aos apóstolos e a todos aqueles que pretendem segui-Lo qual o caminho para manterem a relação com Deus: guardar a sua palavra, que não é dele mas do Pai que O enviou, amar como Deus nos ama e abrir os corações para que Deus habite em nós, faça neles a sua morada. E depois de apresentar o caminho concreto para os discípulos manterem a relação com Deus, Jesus promete a sua presença permanente através do Paráclito (advogado, defensor, consolador),que tem a função de ensinar e recordar tudo o que Ele propôs. Jesus também deixa a sua paz: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como a dá o mundo”. A Paz que Jesus nos deixa não é simplesmente a ausência de guerra, violência e discórdia, mas aquela que leva a viver com tranquilidade, harmonia e com a esperança de alcançarmos a vida plena. Que esta passagem evangélica faça reavivar em nós a certeza de que Cristo Ressuscitado nunca nos abandona, mas está sempre presente através do seu Espírito para nos acompanhar e guiar. VI DOMINGO DA PÁSCOA
A vítima tem o direito de protestar, diante do mistério do mal

O Papa Francisco deu continuidade ao ciclo de catequeses sobre a velhice, na Audiência Geral desta quarta-feira (18/05), que teve como tema “Jó. A provação da fé, a bênção da espera”. Jó “não aceita uma “caricatura” de Deus, mas grita o seu protesto perante o mal, até que Deus responda e revele o seu rosto. Deus por fim responde, como sempre de um modo surpreendente: mostra a Jó a sua glória, mas sem o esmagar, pelo contrário, com soberana ternura”. “Jó que perde tudo na vida, perde a riqueza, perde sua família, perde seu filho e perde a saúde e permanece ali, ferido”, em diálogo com seus amigos. “Quando Deus finalmente toma a palavra, Jó é elogiado porque compreendeu o mistério da ternura de Deus escondida por detrás do seu silêncio. Deus repreende os amigos de Jó que presumiam saber tudo, sobre Deus e sobre a dor, e, vindos para consolar Jó, acabaram por o julgar com os seus esquemas preconcebidos. Deus nos preserve deste hipócrita e presunçoso pietismo! Que Deus nos preserve da religiosidade moralista e da religiosidade de preceitos que nos dá uma certa presunção e nos leva ao farisaísmo e à hipocrisia”, disse o Papa. Segundo Francisco, “o ponto de virada da conversão da fé ocorre no ápice do desabafo de Jó, onde ele diz: «Eu sei que o meu redentor está vivo e que no fim se levantará acima do pó. Mesmo com a pele aos pedaços e em carne viva, eu verei a Deus. Eu mesmo o verei, e não outro; eu o verei com os meus próprios olhos». Podemos interpretá-lo assim: “Meu Deus, eu sei que você não é o Perseguidor. O meu Deus virá e me fará justiça.” É a fé simples na ressurreição de Deus, a simples fé em Jesus Cristo, a fé simples que o Senhor sempre nos espera e virá”. A parábola no livro de Jó representa de forma dramática e exemplar o que na realidade acontece na vida. Ou seja, que sobre uma pessoa, uma família ou um povo recaem provações demasiado pesadas, desproporcionais em relação à pequenez e à fragilidade humanas. Na vida frequentemente, como se costuma dizer, “chove no molhado”. E algumas pessoas são esmagadas por uma soma de males que parece verdadeiramente excessiva e injusta. “Todos nós conhecemos pessoas assim. Ficamos impressionados com o seu grito, mas também muitas vezes nos admiramos com a firmeza da sua fé e amor”, disse Francisco, acrescentando: Penso nos pais de crianças com deficiências graves. Vocês já pensaram nos pais de crianças com deficiências graves? A vida inteira! Penso também naqueles que vivem com uma enfermidade permanente ou no familiar que está ao lado. Situações muitas vezes agravadas pela escassez de recursos econômicos. Em certos momentos da história, estes acúmulos de fardos parecem que chegam todos juntos. Isto foi o que aconteceu nos últimos anos com a pandemia da Covid-19 e o que está acontecendo agora com a guerra na Ucrânia. “Podemos justificar estes “excessos” como uma racionalidade superior da natureza e da história? Podemos abençoá-los religiosamente como uma resposta justificada à culpa das vítimas, que os mereceram? Não podemos. Existe uma espécie de direito da vítima de protestar, diante do mistério do mal, um direito que Deus concede a todos, afinal é Ele próprio que inspira”, disse ainda o Papa. Por fim, o Papa disse que “os idosos viram muitas coisas na vida! E também viram a inconsistência das promessas dos homens. Homens de leis, homens de ciência, também homens de religião, que confundem o perseguidor com a vítima, imputando a esta toda a responsabilidade pela sua dor”. Os idosos que “convertem o ressentimento pela perda na tenacidade pela expectativa da promessa de Deus, são uma defesa insubstituível para a comunidade enfrentar o excesso do mal”. O Papa convidou a olhar para os idosos, para as idosas com amor, os idosos que sofreram muito na vida, aprenderam muito na vida e no final possuem aquela paz, disse o Papa, “quase mística, ou seja, a paz do encontro com Deus”, concluiu. (Vatican news)
O amor faz tudo novo

É próprio do tempo os mundos antigos desaparecerem. E configurarem-se em novas realidades as intuições fundamentais. Quando Jesus confia o mandamento de amar não deixa manual de instruções. Acredita que o reinventaremos em milhares de expressões, que às vezes o esqueceremos para nos enredarmos em lutas de poder e domínio, e esqueceremos de mergulhar nos olhos de quem sofre, com medo de pôr em causa a lei ou abalar a tradição. Sabe que diremos palavras belas sobre ele e escreveremos tratados. Mas o que tocará fundo o coração humano será a vida de Francisco de Assis ou de Teresa de Calcutá, e a de todos que, mais do que viverem o amor, serão amor! Em Deus é substantivo, em nós é verbo! É no encontro com quem sofre que melhor se revela a missão de Jesus. Da cura de doentes à salvação de quem vive fechado no pecado ou excluído da comunidade, Jesus acolhe e também vai ao encontro. Não é super-homem nem curandeiro e a paixão mostra-nos como é real a sua encarnação. Mas é precisamente esse o caminho que nos confia: o de encarnarmos mais fundo a nossa própria humanidade, descer dos “altares” em que colocámos a fé e o saber, e aproximarmo-nos do que está caído e do que espera a morte, para cuidar, para levantar, ou simplesmente para acompanhar. Por isso é tão importante “ver” a realidade em comum, com a partilha de muitos “pontos de vista”, para a descobrir como “o lugar onde Deus se diz”. Jesus “provoca-nos”, chama-nos a concretizar o amor e a “renovar todas as coisas” também a partir do sofrimento da humanidade. O que nada vale aos olhos do mundo, o que se esconde porque está velho ou é imperfeito, torna-se o lugar onde Deus pergunta: “podes amar-me?” Dizia alguém que “os hospitais são as novas catedrais do nosso tempo”. Também falamos das “catedrais do consumo e do lazer” que são os centros comerciais e os estádios, e até das “catedrais do dinheiro” que não é preciso dizer quais são. Mas os hospitais, como encruzilhada da vida de todos, merecem bem esse título. Porque o cuidado da vida, da conceção à vida eterna, é a expressão concreta do amor, e nenhum louvor pode chegar a Deus que não brote desse cuidado. Porque muitos podem não acreditar em Deus (principalmente nas imagens deformadas que d’Ele persistem) mas o seu cuidado, o seu carinho e paciência de profissionais e voluntários de saúde são a melhor imagem de Jesus a amar. Todos sentimos a impotência e fragilidade diante do sofrimento e da morte, mas o amor, este amor que faz alargar o coração, tem uma força admirável. É esse amor que faz tudo novo! (© iMissio)
Segurança

Tal como praticamente todas as pessoas, o povo bíblico experimentou os vários âmbitos da insegurança: a existencial, traduzida na doença e na morte; a natural, resultante das secas, fomes e cataclismos; a social, provocada pelas invasões dos exércitos estrangeiros, com o seu rol de delapidações, escravaturas e deportações; etc. Com a maturação da fé e o desenvolvimento da revelação, deu-se conta de que só Deus o poderia livrar de todo esse mal. Por isso, habituou-se a colocar n’Ele a sua confiança e implorava: “Sede a rocha do meu refúgio e a fortaleza da minha salvação” (Sl 30, 1). Ao mesmo tempo, foi tomando consciência de que, se os dois primeiros âmbitos escapavam às suas forças, o terceiro dependia muito de si e da maneira de se relacionar com os outros. Isso evitou a fuga mundi, a falta de compromisso com a realidade. Consequentemente, foi criando uma dinâmica que o empenhava e comprometia na relação social e política, pois tornou-se claro que não chegava a submissão dos povos inimigos, mas era preciso a justiça, o bom relacionamento e a busca ativa de soluções. Adquiriu mesmo uma certeza: “Quando o homem é justo, o Senhor reconciliará com ele os próprios inimigos” (Prov 16, 7). E Jesus viria a garantir que Deus nos julgará pelo timbre de qualidade como lidamos com todos, mesmo com «os de fora»: “Era estrangeiro e hospedaste-me” (Mt 25, 35). A ponto de S. Paulo ordenar: “Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber” (Rm 12, 20). Também hoje se tende a conceber a segurança como uma dimensão holística das múltiplas facetas da vida que reclama empenho e compromisso em todas elas. Em 1994, pela primeira vez, o relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) chamava a atenção para o conceito de “segurança global”, evidenciando ameaças em sete áreas: económica (trabalho e disponibilidade financeira mínima), alimentar (bens e sua distribuição), sanitária (cuidados médicos, estilo de vida saudável, água potável), ambiental (poluição atmosférica e aquecimento global), pessoal (crime, violência e adultos predadores), comunitária (lutas interétnicas, diluição dos valores tradicionais e guerras) e política (direitos humanos, particularmente em situações de instabilidade social). Somos agentes e destinatários da segurança. Nossa e dos outros.