«Permito-me oferecer-lhe estas páginas sobre a pequena esperança. (…) Que seja a sua força neste grave peso que Deus lhe confiou. (…) Que o Senhor o ajude a conduzir o povo cristãos no caminho da fé.»

Estas palavras remetidas de Paris a João Paulo I a 11 de Setembro de 1978 têm a assinatura de Germaine Péguy, filha do poeta, ensaísta e editor Charles Péguy, o autor «que vous aimez», como escreve ao papa em francês.

É uma missiva breve, mas intensa e significativa, que Germaine, segunda de quatro filhos do autor francês (1873-1914), envia ao papa Luciani durante o seu pontificado, acompanhando-a com o volume “Les enfants”, recolha de excertos extraídos de três poemas – “O mistério da caridade de Joana d’Arc”, “O pórtico do mistério da segunda virtude”, “O mistério dos santos inocentes” –, nos quais Péguy exalta a virtude da esperança.

A carta inédita e o volume sobre «la petite esperance”, que se entrelaçam perfeitamente com a herança espiritual do pontificado de João Paulo I, foram recentemente encontrados na sua casa natal, em Canale d’Agordo, onde foram conservados pela família, juntamente com outras cartas e cerca de três dezenas de volumes autografados, provenientes das caixas que armazenavam os seus livros e o seu arquivo privado, enviados do apartamento no Vaticano para a terra situada 150 km a norte de Veneza, patriarcado a que presidiu, antes de ser eleito papa, a 26 de Agosto de 1978.

Albino Luciani gostava particularmente do escritor francês, definindo-o como «o cantor da esperança», e as referências à sua produção, em prosa e poesia, recorrentes nos escritos editados, documentam o pleno conhecimento da obra e do pensamento de Péguy.

Penélope, Mark Twain, Figaro, Pinóquio, Hipócrates, Marconi, Goethe, Chesterton e, o mais importante, Jesus, são alguns dos destinatários das cartas do Luciani, falecido a 28 de setembro de 1978, aos 65 anos, 33 dias após a eleição

É precisamente a ele que Luciano dedica a quinta carta do seu texto “Illustrissimi – Cartas aos grandes do passado”, epistolário fantasioso que recolhe quarenta missivas que o então patriarca de Veneza escreveu, endereçando-as a personagens históricos e míticos de vários tempos e lugares, e a única publicação que quis publicar, em edição revista, nos dias do seu breve pontificado.

Retomando uma das imagens mais originais e altamente poéticas com as quais o escritor descreve a segunda virtude teologal na trilogia dos “Mystères”, Luciano introduz o colóquio sobre a esperança, tema central da “carta” dedicada a Péguy, intitulada “Nós somos o espanto de Deus”.

«”A esperança, eis aquilo que me espanta – diz Deus.” Estou de acordo contigo, caro Péguy, a esperança espanta.» Com citações extraídas dos “Mystères”, Luciano tece a filigrana da sua carta imaginária ao autor com versos do 25.º canto do “Paraíso”, de Dante, sobre a virtude da esperança, e é a ela que alude na terceira audiência geral do pontificado.

Penélope, Mark Twain, Figaro, Pinóquio, Hipócrates, Marconi, Goethe, Chesterton e, o mais importante, Jesus, são alguns dos destinatários das cartas do Luciani, falecido a 28 de Setembro de 1978, aos 65 anos, 33 dias após a eleição.

A casa onde nasceu João Paulo I está hoje aberta ao público, com as visitas a serem antecedidas pela apresentação de um livro com trechos das atas da causa de canonização, no qual se inclui uma biografia baseada em fontes de arquivos, pesquisa bibliográfica e o testemunho de 188 pessoas, entre as quais o papa emérito Bento XVI, o médico Renato Buzzonetti, que constatou a morte do papa, e irmã a Margherita Marin, religiosa presente no apartamento papal.

Stefania Falasca (Avvenire) | Com Vatican News
Trad. / edição: Rui Jorge Martins
Imagem: Vatican News