Da banda sonora da série televisiva Band of brothers, faz parte um hino que se chama “Requiem for a soldier”, que começa com as seguintes palavras: «You never lived to see / What you gave to me / One shining dream of hope and love / Life and liberty» («Nunca viveram para ver / Aquilo que me deram / Um brilhante sonho de esperança e amor / Vida e liberdade»).
Estas palavras, simples e belas, foram escritas em memória dos que na Segunda Guerra Mundial deram as suas vidas na luta contra os que estavam do lado da morte como sistema, dos que reservavam a liberdade e a esperança apenas para si e os seus, negando-as a todos os demais, não apenas descartáveis, mas urgentemente destinados à aniquilação.
Ora, com as devidas adaptações, estes versos podem ser dedicados aos descartáveis que já deram as suas vidas – o único bem que tinham, que eram, pense-se bem nisto – pelos outros, durante a terrível crise pandémica Covid 19.
Haja o que houver, sobreviva quem sobreviver – quem escreve estas linhas pode não sobreviver, cada um de nós pode não sobreviver –, não há mundano futuro para quem morreu neste e por este serviço, para o bem dos outros.
Voluntários e involuntários, estes novos soldados desconhecidos – pois assim irão permanecer como vergonha dos que os não equiparam devidamente em tempo, pessoalmente mortos para a memória dos triunfantes – são o melhor de nós, e o seu sacrifício é a oblação e o próprio altar em que a humanidade ainda mostra que merece existir.
São estes, os que já morreram, e os que ainda estão vivos e se dedicam totalmente ao combate insano contra a doença e a estupidez que persiste em imperar, que são o melhor de todos nós.
Guardo – e peço a Deus que nunca deixe de guardar – a imagem do teu belo rosto marcado pelo amor. Não esqueço e não quero esquecer tal imagem
Não há e nunca haverá modo de lhes pagar: aos mortos, nada pode ser mundanamente feito; aos que sobreviverem, nada que possa ser feito pode sequer aproximar-se em termos de grandeza do que têm feito, do que, através do que fazem, são.
Como a parte boa da humanidade se transcende em bem nestes tempos de doença extrema!
Como são belas as vossas Mãos, com ou sem luvas, enfermeiros e médicas, médicos e enfermeiras, pessoal de saúde, todo, que trabalha em quase desespero para retirar de tanto sofrimento e real desespero alheio algum bem: bem que pode ser uma vida resgatada ou uma vida perdida, mas não abandonada, não abandonada por estes, mas abandonada pelos que tinham poder e tempo para tomar medidas e preferiram perversamente servir as suas agendas pessoais e de clique.
Como é bela a tua cara, Enfermeira com vincos da máscara no rosto nunca estiveste tão bela, meu amor! E quem vê? Quem vê a tua beleza sublime? O paciente a quem acabaste de fechar os olhos definitivamente, esse viu? Certamente viu. E quem não te comprou o equipamento, que viu?
A tão belo rosto marcado pelo amor, nem sequer posso beijar. A tão belo corpo – pois o corpo é isto, um instrumento de bem, não uma coisa para prostituir por poder – nem sequer posso abraçar.
Que Deus infunda a sua graça de amor sobre estes heróis e, depois, a sua graça de perdão sobre quem os condenou
Mas guardo – e peço a Deus que nunca deixe de guardar – a imagem do teu belo rosto marcado pelo amor. Não esqueço e não quero esquecer tal imagem, não por fetichismo icónico, mas para poder sempre beijá-lo em efígie de memória, já que não o posso fazer em carne.
Podem agora as bestas que vilipendiam a carne passar a amar a carne de um rosto e de um corpo dedicado ao amor.
Pelos que não vão poder ver o bem que fizeram, temos a obrigação ética, política, antropológica de não esquecer a sua grandeza, sobretudo quando comparada com a mesquinhez dos que os condenaram, por falta de meios, a uma morte politicamente indigna, mas ética e antropologicamente santa. Não vejo melhor termo.
Que Deus infunda a sua graça de amor sobre estes heróis e, depois, a sua graça de perdão sobre quem os condenou.
(Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura)