Desde o primeiro Jubileu da história, com Bonifácio VIII (Bula Antiquorum habet. 22 de fev. 1300), que o tema do perdão e da indulgência está presente na vivência dos anos santos e das peregrinações – «romagens» – a ele associadas. Apesar de uma história controversa, João Paulo II, no grande Jubileu de 2000, e agora Francisco, com a Bula Spes non confundit, de 9 de maio de 2024, colocaram-se na mesma senda. Parece, pois, oportuno recordar a doutrina oficial da Igreja relativa a este tema. Propomos como guia o Catecismo da Igreja Católica.
A indulgência é a remissão perante Deus da pena temporal pelos pecados, já perdoados quanto à culpa, que um fiel, bem disposto e cumprindo determinadas condições, obtém por meio da Igreja, a qual, como administradora da redenção, distribui e aplica com autoridade o tesouro das satisfações de Cristo e dos santos. A indulgência é parcial ou plenária, conforme liberte em parte ou totalmente da pena temporal devida pelos pecados. Todo o fiel pode obter para si mesmo ou aplicar pelos defuntos, à maneira de sufrágio, as indulgências tanto parciais como plenárias. (1471)
Para compreender esta doutrina e esta prática da Igreja é preciso lembrar que o pecado tem uma dupla consequência. O pecado grave priva-nos da comunhão com Deus e, por isso, torna-nos incapazes da vida eterna. Essa privação é a “pena eterna” do pecado. Por outro lado, todo o pecado, mesmo venial, causa danos, desordens, que precisam de purificação e reparação, seja nesta vida, seja depois da morte, no estado que se chama Purgatório. Esta purificação liberta do que se chama a “pena temporal” do pecado. Estas duas penas não devem ser entendidas como uma espécie de vingança, infligida exteriormente por Deus. São inerentes à própria natureza do pecado. Uma conversão que resulte de uma fervorosa caridade pode chegar à total purificação do pecador, de modo que nenhuma pena subsista. (1472)
O Sacramento da Penitência e Reconciliação, restaurando a comunhão com Deus pelo perdão da culpa, implica a extinção da pena eterna do pecado. Mas nem todos os efeitos do pecado cessam com a absolvição sacramental: há desordens, danos e perturbações várias que carecem de cura, reparação e satisfação. Usando a linguagem tradicional: subsistem as penas temporais. Por isso, antes e depois da absolvição, é necessário «cumprir a penitência». O cristão deve esforçar-se por aceitar como uma graça estas penas temporais do pecado, suportando pacientemente os sofrimentos e as provações de toda a espécie e, chegado o dia, enfrentando serenamente a morte; deve aplicar-se, quer mediante as obras de misericórdia e de caridade, quer mediante a oração e as diversas práticas de penitência, a despojar-se completamente do “homem velho” e a revestir-se do “homem novo”. (1473)
O cristão que deseja purificar-se do seu pecado e santificar-se com a ajuda da graça de Deus não está só. “A vida de cada um dos filhos de Deus está ligada de forma admirável, em Cristo e por Cristo, com a vida de todos os outros irmãos cristãos, na unidade sobrenatural do Corpo místico de Cristo, como em uma só pessoa mística”. (1474) Na comunhão dos santos, portanto, “existe entre os fiéis – tanto entre os que já estão na pátria celeste, como entre os que expiam no purgatório ou os que ainda peregrinam na terra – um constante vínculo de amor e uma abundante permuta de todos os bens”. Neste intercâmbio admirável, a santidade de um aproveita aos outros, bem mais que o dano que o pecado de um possa ter causado aos outros. Assim, o recurso à comunhão dos santos possibilita ao pecador contrito ser purificado mais depressa e mais eficazmente das penas do pecado. (1475)
A estes bens espirituais da comunhão dos santos, também chamamos o “tesouro da Igreja” que não é soma de bens, como são as riquezas materiais acumuladas ao longo dos séculos, mas o valor infinito e inesgotável que têm diante de Deus as expiações e os méritos de Cristo nosso Senhor, oferecidos para que a humanidade ficasse liberta do pecado e chegasse à comunhão com o Pai. Só em Cristo, nosso Redentor, se encontram em abundância as satisfações e os méritos da Sua redenção. (1476) Pertencem igualmente a este “tesouro” o preço verdadeiramente imenso, incomensurável e sempre novo, que têm diante de Deus as orações e as boas obras da bem-aventurada Virgem Maria e de todos os santos que se santificaram pela graça de Cristo, seguindo os Seus passos, e realizaram uma obra agradável ao Pai, de modo que, trabalhando na sua própria salvação, cooperam igualmente na salvação dos seus irmãos na unidade do Corpo místico. (1477)
As indulgências obtêm-se pela Igreja que, em virtude do poder de atar e desatar que lhe foi concedido por Cristo Jesus, intervém em favor de um cristão e lhe abre o tesouro dos méritos de Cristo e dos santos para obter do Pai da misericórdia a remissão das penas temporais devidas pelos seus pecados. Por isso, a Igreja não quer apenas vir em ajuda deste cristão, mas também incitá-lo a fazer obras de piedade, penitência e caridade. (1478) Visto que os fiéis defuntos em vias de purificação são também membros da mesma comunhão dos santos, podemos ajudá-los, entre outras formas, obtendo para eles indulgências, de modo que se vejam livres das penas temporais devidas por seus pecados. (1479)
(Secretariado Diocesano da Liturgia)