Vamos entrar em tempo de Quaresma: Para os cristãos deve tornar-se um tempo forte de reflexão cultural, eclesial e de valorização pessoal. De interiorização e de conversão. Para os media é um tempo esquecido, porque todos os olhos se envolvem para o carnaval que o precede. A quaresma não é espetáculo, é concentração. O carnaval é espetáculo, ou importa que seja. Por isso se fabrica e se divulga, com a avidez própria do que é espetáculo. Se fosse algum período do Ramadão, já os telejornais exibiam imagens e produziam largos comentários. Como estamos numa sociedade de raízes cristãs, pouco importa aquilo que não ostenta o rótulo de raro ou invulgar. A tendência conduz a que o essencial seja esquecido para que o acessório brilhe e seja notícia. Este culto do superficial é elemento mobilizador dos esquemas do espetáculo.

Na linguagem desta Quaresma, como em todas as outras, sobressaem os apelos à esperança, ao sentido fraterno, à partilha, à dedicação, ao voluntariado como formas práticas do espírito cristão, como nos lembra a mensagem papal, em contexto do ano jubilar. Podemos registar as dimensões que o Papa faz ressaltar: a afirmação da esperança, nos contextos dos climas de guerra a violência que vive o mundo hodierno; a dimensão do “caminhar juntos”, apelo à unidade “partindo da nossa dignidade comum de filhos de Deus”, procurando que as pessoas se sintam parte da comunidade; a dimensão de uma esperança que seja promessa, que seja “o horizonte do caminho quaresmal rumo à vitória pascal”.

Mas neste tempo quaresmal de 2025 seremos confrontados com um universo de previsão eleitoral, com toda a confusão, luta, agressividade, exacerbação de sentimentos e de interesses e toda a série de conflitos que a busca do poder habitualmente traz consigo.

Como devem os cristãos situar-se neste universo de conflitos e lutas, num tempo que deveria ser de reconciliação e de entendimento? Como é possível relacionar o mundo evangélico com as ações concretas do mundo político e social? O cristão não deve ser politicamente neutro, nem neutro em relação à política: tem de assumir as responsabilidades de uma atitude de intervenção consciente e séria, fundando-se sempre nas orientações evangélicas para uma ação política e social coerente e consciente face aos problemas humanos e sociais que urge resolver.

Importa que os cidadãos se informem e se formem sobre as dimensões da ação política e pela atitude de participação. A atitude de cidadão consciente não se pode definir pela abstenção por discordar das propostas ou das pessoas, ou pelo voto inconsequente de protesto. Importa construir o espírito de formar a consciência, buscando a verdade dos factos o das atitudes, edificando e fundamentando as formas de agir.

Um dos dramas mais referenciados ultimamente, e mais perturbadores, na sequência dos acontecimentos sociais e políticos resultantes das eleições nos Estados Unidos da América, é a referência que passou a ser corrente e irrefletida em suas consequências, de proceder a um rearmamento da Europa, para o qual de imediato se começa a falar-se de milhares de milhões de euros. Infelizmente, não se tem ouvido falar da necessidade das mesmas somas orientadas para projetos de desenvolvimento e de valorização social das populações e em esquemas de ajuda aos países menos desenvolvidos ou à recuperação da destruição que a guerra transporta.

Tudo istopassa por uma formação crítica da opinião pública, a que os órgãos de comunicação social devem ser particularmente sensíveis, que ajude a promover a qualidade da comunicação, para valorizar o sentido pleno da cidadania humana e humanizada.

Vale a pena recordar a palavra do Papa Francisco, em 2024: a forma sinodal da Igreja, que estamos a redescobrir e cultivar nestes anos, sugere que a Quaresma seja também tempo de decisões comunitárias, de pequenas e grandes opções contracorrente, capazes de modificar a vida quotidiana das pessoas e a vida de toda uma coletividade: os hábitos nas compras, o cuidado com a criação, a inclusão de quem não é visto ou é desprezado. Convido toda a comunidade cristã a fazer isto: oferecer aos seus fiéis momentos para repensarem os estilos de vida; reservar um tempo para verificarem a sua presença no território e o contributo que oferecem para o tornar melhor.

Em tempo em que a saúde o do Papa Francisco tem promovido uma peregrinação mediática a Roma na expectativa da ocorrência da sua morte pode tornar-se motivo da reflexão. Uma espécie de apetência quaresmal pela iminência esperada do um acontecimento. Por outro lado, a atitude de oração da Igreja deve entender-se essencialmente como tomada de consciência e de valorização das atitudes de fé daqueles que a realizam.

(Voz Portucalense)