Neste contexto de reunião sinodal da Igreja, que está a decorrer neste mês de Outubro, verificamos que muita coisa está a mudar nos dias que correm e que inquietam os pastores e fiéis. Temos as nossas assembleias mais vazias, deixou de haver sentido de pertença às paróquias, pelo menos nas cidades. As organizações eclesiais começam a ficar inviáveis, mesmo economicamente, pois as pessoas não se sentem responsáveis por sustentá-las como era costume. Muitos pastores e fiéis dão o seu melhor, mas há uma clara crise de liderança das nossas comunidades, em todos os seus níveis. A comunicação social fala do Sínodo como de uma tentativa de fazer prova de vida por parte da Igreja. Estamos diante de uma crise de credibilidade. Como pode a Igreja tornar-se credível nos dias que correm?
O caminho da credibilidade, hoje, como ontem é o da exposição ao evangelho de Cristo. Para isso, o ponto decisivo é o da iniciação. De facto, aquilo a que Jesus nos iniciou é uma vivência, uma experiência, antes de ser diversas outras coisas. Isso está patente nas nossas fontes com muita clareza. Os seguidores mais lúcidos de Jesus, como é caso de S. Paulo, sentem-se movidos por uma energia que lhes substitui a velha identidade, lhes comunica uma força de agir irreprimível, que os torna próximos de quem vai entrando no mesmo jogo vital, que lhes dá uma esperança livre de todas as ilusões de outrora. Será que o cristianismo perdeu força e novidade para estarmos deprimidos como estamos? Isso não pode ser verdade. O problema está em nós que estamos a falhar o alvo.
Será que toda a cultura de hoje se tornou impermeável ao Evangelho? Isso não é manifestamente verdade. Basta olharmos para a melhor poesia do nosso tempo, para a melhor literatura, para vermos como o Verbo incarnado continua a fazer o seu caminho, mesmo sem nós. O Papa Francisco, quando fala sem papel, e cita os poetas, encontra excelentes veículos de pregação. Pode ver-se, neste sentido, a pequena carta que escreveu aos novos cardeais, usando as palavras do poeta argentino Francisco Luís Bernárdez. Mesmo que o modo de nomeação de cardeais não seja, a nosso ver, o melhor exemplo de sinodalidade, o propósito de vida que lhes indica (“olhos altos, mãos juntas, pés descalços”) é uma bela expressão do caminho de Jesus. Como este poeta, há felizmente muitos outros, bem como muitos outros escritores que abrem caminhos de vida autêntica à cultura de hoje. Quem diz escritores podia dizer alguns filósofos do tempo recente que, melhor até do que os teólogos de profissão, iluminam os caminhos de abertura ao mistério de Deus e à vida plena.
Por isso, a Igreja reunida num Sínodo, à procura da credibilidade para os dias que correm, fazia bem em ouvir o rumor do Verbo que, como a brisa de certas tardes, vai sussurrando, em vez de ruminar as suas preocupações institucionais, os seus medos, os seus pecados. Hoje a organização eclesial não é felizmente necessária para ser modelo de administração da sociedade. As sociedades em que vivemos desenvolveram estruturas para o matrimónio, a família, a economia, o trabalho, a solidariedade. Já não somos necessários para isso. O tempo da Igreja organizada como administração já passou. O que se espera de nós é iniciação, inspiração, fruição da vida interior. As pessoas não vêm ter connosco para as instruirmos, para as defendermos, como vinham no tempo passado. Procuram-nos para celebrar a vida por ocasião do nascimento dos filhos, do casamento, da angústia de viver, do mistério da morte que a todos surpreende mais cedo ou mais tarde. É nessas ocasiões existenciais de grande relevo que parece urgente concentrarmos o nosso esforço de dar a viver a vida ressuscitada de Jesus. A nossa credibilidade, e a força da nossa palavra, não vem do aperfeiçoamento das representações da vida. Para essa tarefa não faltam intelectuais, jornalistas e tantas figuras que povoam a comunicação de massas em que vivemos mergulhados. A nossa credibilidade só pode vir do mergulho na corrente da vida freática que, não obstante, continua a correr no subsolo da realidade. A partir daí, sim, poderemos livrar a cultura de tantos ídolos, a instituição de tantas injustiças, o futuro de tantas incógnitas.