Ainda sem acesso ao texto do documento final do Sínodo, importa discernir algumas orientações já refletidas pelas informações que foram vindo a lume. Há um conjunto de linhas de rumo que parecem deduzir-se de tais reflexões.
A primeira pode de a do discernimento comunitário. Aliás, parece ser essa a linha que presidiu quer à convocação, quer à preparação quer à participação, quer às linhas de orientação que foram surgindo. Até aqui sempre se ouvia falar do “Sínodo dos Bispos”. No processo que agora se conclui, foi claro que se procurou, através dos numeroso encontros propostos, desenvolvidos nas mais diversas comunidades, foi sempre intenção ouvir os cristãos leigos, homens e mulheres, as instituições e grupos de reflexão e ação, para se encontrarem propostas comuns que se tornassem tema de reflexão, de propostas e de decisões. Sabemos que foram ouvidas milhões de pessoas em toda Igreja, cujas opiniões estiveram na base desta reunião do Sínodo. O documento final parece dar conteúdo substantivo e não apenas formal, a esta intenção e propósito: não basta apenas uma formulação, mas importa a elaboração de planos de ação.
Um outro aspecto que parece ressaltar é o de um documento aberto à participação. Não apenas de um conjunto de normas ou regras de comportamentos mas a expressão de dinâmicas de equilíbrio e de ação. Este sentido da participação foi o que determinou que nas reuniões do Sínodo se encontrassem, com a expressão, tanto bispos, como sacerdotes, como cristãos leigos, incluindo um número significativo de mulheres, que puderam tanto manifestar-se e decidir através da votação.
Um outro aspecto merecedor de atenção e leitura dinâmica é a característica menos normativa e mais de proposta para conduzir a novas orientações e escolhas, por pessoas e comunidades.
Uma nova dimensão, por muitos referida como grande novidade, é a da valorização do papel e da ação da mulher na Igreja. Os níveis de liderança das mulheres na Igreja constituem um dado real, mas não é novo. Basta percorrer os evangelhos e a história para se verificar o papel que tantas figuras de mulher desempenharam no andamento das decisões novas na vida da Igreja; lembrar o papel das figuras que ao longo da Idade Média fomentaram e edificaram mosteiros e comunidades de vida, especialmente a partir da ação de rainhas e princesas que conduziram à valorização da formação humana nas instituições sociais, que promoveram a edificação dos templos e catedrais que hoje transmitem beleza e espiritualidade, e admiração estética à sociedade. Os exemplos míticos de Santa Catarina de Sena que promoveu a unidade do papado no século XIV, ajudando a superar os conflitos de poder e domínio que motivaram a separação dos Papas no cisma do Ocidente; ou de Teresa de Jesus que reformulou o sentido e expressão da vida religiosa através da sua dinâmica de espiritualidade e cultura, em tempos de uma mentalidade emergente marcada pela afirmação das realidades temporais; ou a espiritualidade simples de outra Teresa juvenil que pela espiritualidade quis valorizar a ação missionária, ou de pensadoras como Edith Stein, que quiseram valorizar o pensamento e a Filosofia nos caminhos dos valores da fé; ou figuras como Teresa de Calcutá que promoveram, também pelos caminhos dos valores da fé a promoção humana das populações mais desfavorecidas – tudo nos lembra que a mulher na Igreja não precisou de documentos ou estatutos para se tornar dinâmica e civilizadora. Hoje, ao propor-se a valorização da mulher pela via da chamada “paridade”, ignora-se a preponderância que sempre teve nas comunidades como vivência de caminhos de Fé.
Levanta-se agora, sem premência, mas como polo de atenção e de atração, a possibilidades da ordenação diaconal das mulheres, aliás já em vigor em outras comunidades cristãs. É um tema e uma prática que mexe com o sentido do sacerdócio, com a prática evangélica, e como ouvimos dizer, com outros ministérios que as mulheres já desempenham na Igreja com dedicação e generosidade, sem preocupação pelo sentido do exercício do poder. Aqui importaria ter em conta a recomendação de Jesus, ao dizer que o que for mais importante deve ser o que presta melhor serviço à comunidade.
Na saudação final do Papa Francisco, lembrando que é o fruto de anos de trabalho eclesial, declarou: o documento final é um dom para todo o Povo fiel de Deus, na variedade das suas expressões; e afirmou o seu desejo de que permita “caminhar juntos na diversidade, sem condenar-nos uns aos outros”.