Sidival Fila, religioso franciscano, é um dos criadores mais considerados na arte contemporânea a nível internacional. Nascido em 1962 no Brasil, transfere-se para Itália em 1985, à procura de uma identidade artística e pessoal. Aprofunda, então, o interesse pela arte, ao mesmo tempo que amadurece uma vocação espiritual, que o conduzirá a entrar na Ordem dos Frades Menores de S. Francisco de Assis. Ordenado em Roma em 1999, Fila exercerá o seu ministério sacerdotal num hospital e numa prisão.

O ingresso na ordem religiosa corresponde a uma interrupção voluntária da atividade artística, que se prolongou durante 18 anos. A vocação artística voltará, contudo, a impor a sua presença, com renovada consciência. Em 2006, inicia um percurso, não mais interrompido, que o conduz a múltiplas técnicas, materiais e soluções compositivas. Dos materiais humildes aos objetos descartáveis, passando por tecidos principalmente antigos e utilizados no âmbito das celebrações litúrgicas.

Nas mãos de Sidival Fila, os tecidos transformam-se, e de “desperdícios” tornam-se elementos compositivos de uma nova narrativa que cruza luzes, cores e forma. As obras de Fila não são “sagradas”; todavia, é precisamente a espiritualidade o seu objeto mais profundo: «Na minha investigação, não há nada que remeta em sentido figurado ou explicito para o religioso, mas há uma referência a uma tensão para o transcendente. O meu desejo é tornar a matéria espiritual do ponto de vista percetivo, torná-la fluida, fazer da cor uma energia cromática. São dimensões que remetem para a nossa conceção de espírito: que, também para o mundo laico, é luz, transparência, leveza», declara.

ImagemSidival Fila | D.R.

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Para Sidival Fila, «a sacralidade não está tanto no sujeito que uma obra representa, um Cristo ou uma Nossa Senhora, mas no facto de haver alguma coisa que comunica e vai além. A verdadeira arte está sempre impregnada de sacralidade».

Nas suas criações artísticas, o religioso do Paraná utiliza agulha, fio, objetos recuperados, velhas telas. Com o fio, torna a coser as feridas, cria relações, funda novas simetrias. O seu trabalho faz-se metáfora viva de ações necessárias à nossa sociedade, que colocam no centro a relação: consigo próprio, com o outro, com o mundo, com a vida e uma sua dimensão espiritual, com o passado e o presente.

Presente com a obra “Golghota” na 58.ª Exposição Internacional de Arte da Bienal de Veneza, Sidival Fila tem uma exposição temporária a ele dedicada no Museu Diocesano Tridentino. A coleção de paramentos litúrgicos provenientes de igrejas da diocese, que o museu expõe no percurso permanente, dialoga com a mostra temporária, patente até novembro.

Imagem“Golghota” | Sidival Fila | D.R.

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Na primeira secção expõe-se um conjunto de pinturas monocromáticas de cores vivas. Muitas obras intitulam-se “Metáfora”, para convidar quem as observa a captar a similitude subjacente na utilização de ganha vida a partir do entretecer da trama e da urdidura. Este é um dos pontos cardeais da poética de Sidival Fila, centrada no conceito de relação humana, que na expressão artística se identifica com a utilização do tecido como sujeito principal da narrativa.

A segunda parte acolhe as 14 estações da via-sacra, uma composição abstrata, dificilmente reconduzível à Paixão, a não ser mediante uma leitura simbólica. Nesta obra os tecidos falam da necessidade, que o artista sente intensamente, de criar uma ligação com a realidade, a fim de que a arte não seja manifestação de uma eternidade imaterial, mas manifestação da sua necessidade de ter um contacto com o mundo, com a fragilidade e a fugacidade da vida, com a caducidade que como um véu reveste cada tempo, o exalta, o eleva. O itinerário termina com uma obra concebida para especificamente para o espaço do museu: um antigo crucifixo em madeira envolvido em tecidos antigos remendados.

A última secção é dedicada ao tema da recuperação dos tecidos antigos. Servindo-se de fragmentos de antigos hábitos litúrgicos, Fila cria obras novas impregnadas de passado, nas quais revive, silenciosa, a narração de quem teceu ou coseu o tecido, o vestiu, remendou, o ofereceu. «Recuperar, para mim, significa dar voz a quem já não a tem, tornar a dar ao objeto a sua dignidade perdida», declara. «Compreendi como a matéria pode conter o espaço, o tempo, a memória. A beleza é por isso dada pela matéria do tempo, porque é capaz de registar e conter.»

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In Vie della Bellezza
Trad.: Rui Jorge Martins