Ser Luz e Ser Sal…Difícil, não é?

Tenho passado os últimos dias a sonhar… A sonhar com um mundo novo! Um mundo onde o sofrimento e a dor continuam a estar presentes, porém a Esperança é ainda mais forte do que nunca! A Esperança de que tudo fará sentido num amanhã que está para descobrir… Como somos “insaciáveis”, estamos sempre dispostos a “descobrir o novo”. O ser humano nunca está contente com o que tem. Nunca estamos satisfeitos com o que possuímos, seja bom ou mau. Esta realidade é, muitas vezes, esquecida. Somos seres em devir. Somos seres em constante transformação. Eis a razão pela qual ainda não chegamos a uma “solução final” para todas as questões que nos atormentam. Por isso é que Jesus disse que os cristãos devem ser sal e luz. “Eis o que diz o Senhor: «Reparte o teu pão com o faminto, dá pausada aos pobres sem abrigo, leva roupa ao que não tem que vestir e não voltes as costas ao teu semelhante. Então a tua luz despontará como a aurora, e as tuas feridas não tardarão a sarar. Proceder-te-á a tua justiça e seguir-te-á a glória do Senhor.»” (Is 58, 7-8) Ou seja, num mundo onde tantas questões se levantam, nós cristãos, só temos uma resposta a dar: Através da caridade, somos luz e sal, para um mundo que não encontra em si a solução da felicidade definitiva. Vivemos num mundo que ainda acredita encontrar a felicidade total. Vivemos numa sociedade que julga ser capaz da realização pessoal, como primeira, e da realização social, como consequência. O problema está na premissa. Ou seja, a felicidade universal depende, não da felicidade individualista, mas, numa linguagem religiosa, da satisfação comunitária, Só serei feliz na medida que o outro for feliz! É isto que o Evangelho nos pede! Sede luz! Sede sal! Nem a luz nem o sal têm o fim em si mesmos. Servem para “iluminar” ou “salgar” a todos. Não vivem para si, mas para dar sabor, dar luz, incluídos a si próprios mas abraçando todos os outros. Ser sal ou Ser luz quer dizer que procuramos dar sentido à nossa vida, não esquecendo que partilhamos este caminho com outros. Esta vida não tem qualquer sentido se esquecermos estes “outros”. Quando “iluminamos” ou “salgamos”, não nos limitamos a ser felizes nas “nossas” vidas, mas também a fazer sentido às vidas com que nos relacionamos. Se a nossa vida não tem sentido é porque a vivemos só para nós! É sinal que “nos estamos a salgar e a iluminar em excesso”! A luz e o sal não têm um fim em si mesmos, mas no abrir-se aos outros. A tua vida só tem sentido quando te abres ao próximo. Sê sal! Sê luz! (© iMissio, 2020.)

Oração: antes de tudo, escuta

«Tu fizeste-nos para ti, Senhor, e o nosso coração não tem paz enquanto não repousa em ti.» Esta afirmação de Agostinho (“Confissões”), célebre e repetida de geração em geração, pode recapitular bem o fundamento colocado na oração cristã desde a época dos grandes Padres até aos nossos dias. Nessa visão, a oração exprime o desejo do bem supremo que habita o ser humano, e é entendida como movimento do coração para o infinito, o eterno, o absoluto. Dela deduz-se uma definição acolhida substancialmente, ainda que com cambiantes diferentes, por todos os autores espirituais do Oriente e do Ocidente: «A oração é a elevação da alma a Deus, ou o pedido a Deus de bens convenientes», como escrevia sinteticamente João Damasceno, definição retomada no Ocidente por Tomás de Aquino. Hoje, esta definição da oração como acontecimento colocado no espaço da busca de Deus da parte do ser humano parece não ser desmentida, mas é, pelo menos, insuficiente, porque os homens e as mulheres do nosso tempo, em particular pertencentes às novas gerações, são alérgicas às conceções ascendentes e “verticais” disseminadas em toda a espiritualidade cristã. Essa insuficiência pode ser salutar, na medida em que nos ajuda a focalizar um dado bem presente ao homem bíblico: a Presença de Deus é dada, não é plasmada ou alcançada pelo ser humano com as suas forças, e ao ser humano cabe o acolhimento da manifestação de Deus, tal como do seu retirar-se no silêncio ou no escondimento. Com decisão absoluta, com iniciativa livre e gratuita, Deus dirigiu-se aos seres humanos para entrar em relação com eles, para instaurar um diálogo que tem por meta a comunhão Por outras palavras, o Deus da revelação bíblica não é o objeto da nossa procura, mas é aquele que tem a iniciativa, é o sujeito, é o Deus vivo que não está no termo do nosso raciocínio, não se encontra na lógica dos nossos conceitos, mas dá-se, entrega-se na liberdade amorosa dos seus atos, que o mostram em constante busca do ser humano. É Ele que deseja e estabelece um diálogo connosco, é Ele que do Génesis ao Apocalipse vem, procura, chama, interroga o ser humano, pedindo-lhe simplesmente para ser escutado e acolhido. O Deus que «nos amou por primeiro» fala, dando início ao diálogo; o ser humano, diante desta autorrevelação de Deus na história, “re-age” na fé através da bênção, do louvor, da ação de graças, da adoração, do pedido, da confissão do seu pecado… Em síntese, reage através da oração, que é sempre resposta a Deus, com a finalidade do amor para Ele e para os irmãos. É tendo em conta esta perspetiva, menos explorada pela tradição explorada, que gostaria não tanto redefinir a oração cristã, porque ela escapa a toda a “fórmula”, mas recoloca-la, com muita humildade, no alvéolo bíblico. Nele emerge claramente que a oração não é procura de Deus, mas resposta; que as suas formas são acidentes, enquanto que o que é substancial é a relação com Deus; que o seu fim é a caridade, o amor: a oração é uma abertura à comunhão com Deus, e por isso ao amor, porque «Deus é amor» (1 João 4,8.16). O “eu” que responde a Deus é definitivamente descentrado na oração, ao passo que o agente, o sujeito, é o próprio Deus, que, ao derramar na oração o seu amor, efunde-o no mundo através de nós, constituídos amantes. Deus revela-se como Palavra e faz de Israel o povo da escuta, antes ainda que povo da fé, desvelando a vocação permanente: o chamamento a escutar Nesta ótica, a oração cristã é antes de tudo escuta para chegar ao acolhimento de uma presença, a presença de Deus Pai, Filho e Espírito Santo. A operação é simples, mas não é por isso que é fácil, pelo contrário, é árdua e requer capacidade de silêncio interior e exterior, sobriedade, luta contra os múltiplos ídolos que nos ameaçam. Deus fala: esta é a afirmação fundamental que atravessa toda a Escritura, é “the big thing” sem a qual nós não poderemos ter qualquer relação pessoal com Ele. Com decisão absoluta, com iniciativa livre e gratuita, Deus dirigiu-se aos seres humanos para entrar em relação com eles, para instaurar um diálogo que tem por meta a comunhão. No Deuteronómio é colocada na boca de Moisés esta reflexão: «Interroga os tempos antigos que te precederam, desde o dia em que Deus criou o homem sobre a terra. Pergunta se jamais houve, de uma extremidade à outra do céu, coisa tão extraordinária como esta, ou se jamais se ouviu coisa semelhante. Sabes, porventura, de algum povo que tenha ouvido a voz de Deus falando do meio do fogo, como tu ouviste, e tenha continuado a viver?» (4,32.33). É significativo que, ao convite dirigido por Deus para lhe apresentar pedidos, o jovem rei Salomão tenha replicado pedindo um “lev shomea’”, «um coração capaz de escutar» Deus revela-se como Palavra e faz de Israel o povo da escuta, antes ainda que povo da fé, desvelando a vocação permanente: o chamamento a escutar. Não é por acaso que a oração judaica é ritmada pelo “Shema’ Jisra’el”, pelo «escuta, Israel», uma ordem que, em várias formas, é repetido várias vezes na Torá, a qual, ao contrário, raramente pede para falar a Deus. Se a oração do ser humano como desejo de Deus apresenta um movimento ascendente de palavras para o céu, a escuta é, ao invés, caracterizada por um movimento descendente, por uma descida da Palavra de Deus ao ser humano: o verdadeiro orante, a partir de Abraão, é aquele que escuta, aquele que dá ouvidos a Deus. Por isso, «escutar é melhor que o sacrifício», isto é, melhor que qualquer outra relação homem-Deus que se apoie sobre o frágil fundamento da iniciativa humana. Além disso, poder-se-ia dizer que se para Deus «no princípio está a Palavra», para o ser humano no princípio está a escuta! No Novo Testamento, esta verdade é sintetizada de modo admirável no exórdio da Carta aos Hebreus: «Muitas vezes e de muitos

Vive antes que a vida passe

Uma vida vazia é muito pesada. Dar a si mesmo e ao mundo uma vida digna é muito mais do que andar sempre com pressa. O valor da existência não depende da quantidade de coisas que somos capazes de fazer ou das tarefas que executamos. O sentido da vida depende da qualidade com que se vive. Não cometer erros evitáveis ajuda muito. Quem julga que terá sempre segundas e terceiras oportunidades engana-se a si mesmo de forma infantil. Importa aprender a caminhar de forma um pouco mais lenta. Tens de parar. De quanto em quanto tempo interrompes as tuas rotinas, para descansar bem e para avaliar o percurso feito? Quando costumas decidir qual o caminho a seguir? É difícil aceitar que a razão de não encontrarmos paz se deve a que a procuramos onde ela não está. O descanso que ansiamos está em nós. É inútil procurá-lo em qualquer outro lugar que não em nós mesmos. A vida impõe-nos uma luta constante contra maldades e indiferenças, mas, ao contrário do que se julga, grande parte delas são nossas. Tendemos a projetar nos outros o que está dentro de nós, chegando ao ponto de sermos ainda mais intolerantes com quem revela os mesmos problemas que nós! Não devia ser ao contrário? Sim, mas isso supõe que os assumiríamos. E esse é um passo de uma coragem de que muitos não são capazes. Quando te olhas ao espelho, gostas do que vês? Viver é amar. Aprender a abraçar e aprender a perder o que se abraçou. A vida é uma perda constante do que amamos, mas é também um mistério imenso de onde brotam sempre mais e mais mãos estendidas à espera do nosso amor. Não mendigam, são talvez sinais que nos apontam o caminho. A vida é um conjunto de aparentes acasos que se sucedem. Há quem confie que têm sentido, apesar de não o conseguir descobrir. Outros investem e perdem tempo e forças a tentar compreender o que está muito acima da sua capacidade de entender! Se tivesses de viver para sempre como vives agora, viverias bem? Descansa um pouco e aproxima-te da grande pergunta: o que devo fazer para ser feliz? Não procures a resposta em lado algum a não ser em ti. As respostas dos outros são deles. De cada um deles. Há muitos que são infelizes da mesma forma e juntos, porque adotaram para si soluções que não eram as suas. A minha vida é um caminho único de mim para os outros, não o contrário. A vida é amor, não é egoísmo. (José Luís Nunes Martins)

O que só encontramos nas raízes…

Não busquemos nos galhos o que só podemos encontrar nas raízes: é na profundidade que acontece a verdadeira vida do SER! A profundidade ou superficialidade com que vivemos a vida depende, sobretudo, da interioridade. Uma interioridade que precisa cada dia de ser escavada e encontrar a pureza e a essência mais vital da nossa existência no silêncio. Alicerçar a vida na interioridade é a certeza de que esta vida, sendo dom e dádiva, não desmorona com qualquer tempestade. Alicerçar a vida na interioridade é condição não de uma sobrevivência – existindo pela metade – mas de experimentar já aqui a vida em plenitude. Alicerçar a vida na interioridade é um trabalho diário em qualquer idade. Alicerçar a vida na interioridade é reconhecer bênçãos no meio de dilúvios. E não são as bênçãos a certeza de uma Presença Divina!? (© iMissio, 2020)

O que é que eu faço com o que não consigo perceber?

É uma pergunta que me assalta demasiadas vezes. Dito isto, há, de facto, muitas coisas que não consigo entender e que não parecem estar ao alcance da minha compreensão. Se pensar um pouco sobre uma eventual resposta a esta pergunta é inevitável não encontrar companhia. Não estamos sozinhos no que nos acontece. Não estamos sozinhos no tipo de inquietações que temos. Não estamos sozinhos quando esta questão nos assola. Agarrados a esta pergunta, estamos todos. A vida pede-nos muito. Não há grande forma de contrariar isso. No nosso egoísmo velado, e na nossa forma mais narcísica de pensar os acontecimentos, podemos intuir que a nossa vida é pior que outras. Que as nossas questões são de mais difícil resposta (que as dos outros). Que os nossos problemas são de dimensão superior aos dos que nos acompanham a cada momento. Não nos enganemos. A vida não é fácil para ninguém e dói-nos a todos. A frustração que eu tenho não é a tua, mas a base do que sentimos será a mesma. A raiva que às vezes me tira a paz não rima com as razões da tua fúria, mas a base do que nos faz ficar vermelhos por dentro…é a mesma. A alegria que me faz ganhar coragem para enfrentar cada golpe não tem os mesmos contornos da tua alegria, mas a essência do sentimento?! É a mesma. De entre as milhentas coisas que vamos vivendo e sentindo haverá algumas que nos desconcerta mais que outras. Não lidamos bem com o que não compreendemos. Não lidamos bem com o silêncio que têm as coisas que terminam sem sentido. Não lidamos bem com as portas que se nos fecham na cara por um impulso que alguém não justificou. E, assim, volto a perguntar… como é que eu lido com o que não compreendo? Ou melhor? O que é que eu faço quando não há razão nenhuma para me acontecer o que acontece? Não sei. Não sei mesmo e quem me dera saber. Talvez nos sirva de consolo que o tempo do que nos acontece não é o mesmo tempo do nosso entendimento. Às vezes, só compreendemos o que nos aconteceu lá bem para trás quando chegamos aqui. Onde estamos agora. Claro que (nos) custa muito não compreender. Não desenhar uma razão. Não conseguir arranhar um motivo qualquer, por muito estúpido que seja. É o silêncio do não saber. É o silêncio do que alguém devia ter dito e não disse. Não sei. Não sei mesmo e quem me dera saber. Ainda assim, podemos sempre ter uma esperança miudinha e consoladora que nos garante o seguinte: (Ainda) não sabemos as razões. Ainda. Mas, um dia, tudo será claro. Tão claro que já nem nos lembraremos que, um dia, precisámos tanto de uma resposta. (© iMissio)