Rezar a tua Páscoa

Rezar a tua Páscoa Ensina-nos, Senhor, a atravessar de olhos abertos a Tua Páscoa vivendo-a como história atual que completamente nos envolve, Ensina-nos, Senhor, a aceitar o convite para a última ceia e a testemunhar que também hoje a nós Te entregas por amor, Ensina-nos, Senhor, a assistir à Tua prisão reconhecendo que tantas vezes Te beijamos no beijo de Judas e Te negamos em cada uma das negações de Pedro, Ensina-nos, Senhor, a acompanhar-Te no desamparado caminho da cruz e a fazê-lo com a compaixão de Verónica e a comovente disponibilidade do Cireneu, Ensina-nos, Senhor, a permanecer como Maria junto a cruz e a aceitá-la, precisamente ali, como nossa Mãe, Ensina-nos, Senhor, a reclamar o Teu corpo como o fez Nicodemos e a buscar um sepulcro novo no jardim, Ensina-nos, Senhor, a seguir Maria Madalena ao sepulcro de manhã cedo levando perfumes e lágrimas para honrar a Tua morte e a sermos como ela surpreendidos pela irrupção da Tua Vida, Ensina-nos, Senhor, a correr ao lado dos apóstolos Pedro e João e a compreender que hoje se acreditarmos também nós poderemos ver. (D. José Tolentino Mendonça)
Ser livre não é deixar-se ir

Há tanta gente que julga que viver é apenas estar a assistir ao que se passa em seu redor. Como se, apesar de estarem no palco, não fossem senão espectadores. Há quem considere a sua vida o resultado simples de todos os movimentos, forças e poderes que estão à sua volta, como se fossemos uma simples gota de água no meio do oceano. Mas não o somos! Cada vida é uma história. É criar algo bom e belo a partir do nada! Mas muitas pessoas julgam-se condenadas a ser personagens secundários da sua própria história, ou ainda pior, secundários da vida de outra pessoa… Outros, também mal, acham que ser protagonista é fazer muito barulho e ter gestos grandiosos. Na verdade, o silêncio e a discrição costumam ser formas mais fortes de ser excelente. Claro que o exercício da liberdade incomoda quem prefere ficar sentado a assistir e a reprovar quase tudo em quase todos. É bom que aprendamos a aceitar que, por melhores que sejamos, seremos sempre o vilão da história de outras vidas. Não importa o que façamos, seremos sempre maus e culpados pelos males de outros. Por outro lado, por piores que sejamos, haverá sempre quem nos considere como seus heróis. Contaremos sempre com a sua compreensão e o seu perdão, porque nos consideram dignos do seu amor. Esses, apesar de poderem estar errados a respeito de muitas coisas, talvez nos vejam para lá das nossas escolhas, talvez saibam que a nossa vontade de ser felizes nem sempre encontra o caminho certo. Ser livre envolve a responsabilidade de promover o bem dos outros. Os outros têm tanto direito a errar como nós. Nisso somos iguais. Talvez o primeiro a ser capaz de perceber isto atinja mais cedo a paz de não passar a vida a condenar o mundo. Ser livre também é ajudar os outros a sê-lo, sem os julgar. É que, ainda por cima, não ter de julgar ninguém faz-nos tão mais felizes! (José Luís Nunes Martins)
Jesus não é isso que tu pensas

Jesus não é isso que tu pensas. Não, não é um milagreiro que te atende a tudo o que Lhe pedes. Muitos menos se pode definir como um “Deus S.O.S” que aparece apenas nas tuas aflições ou somente quando te lembras d’Ele. Não é alguém que te resolve os impossíveis com um simples estalar de dedos. Jesus não é isso que tu pensas. Um conto de fadas que encanta e que seduz tudo e todos. É uma pessoa concreta. Real. Tão verdadeiramente humana que se deixou divinizar. E tudo o que disse e fez tocou e toca o mais profundo de cada um de nós. Tudo o que nos diz é revelador da radicalidade de um verdadeiro amor. Jesus não é isso que tu pensas. Não é um tolo que disse apenas umas coisas acertadas. Ele é testemunho de que quando nos deixamos humanizar conseguimos interpretar, de forma simples, a complexidade existente em cada vivência. Ele é a prova de que antes de qualquer palavra, vale muito mais a presença. O toque. O olhar. Ele é a prova de que por trás de qualquer condição ou história há sempre espaço para acolher a pessoa com toda a sua dignidade. Jesus não é isso que tu pensas. Não é alguém que te aponta constantemente o dedo. Ele é quem te acolhe sempre. É quem vai a correr até ti depois de o teres negado e de te teres desviado tantas e tantas vezes. É o único que mesmo tendo todos não fica descansado enquanto não te tiver a ti. Por perto a saborear da Sua alegria e do Seu banquete. Jesus não é isso que tu pensas. É bem mais. É Deus feito homem que decidiu tornar toda a Sua vida num eterno caminho que nos conduz à verdade da vida. É Aquele, que não te livrando de todo o mal, sempre está. Através do silêncio. Das palavras. Dos rostos que tantas vezes nos mostram a Sua ternura e o Seu sorriso. Jesus não é isso que tu pensas. É bem mais… muito mais! (© iMissio)
O que é um pai?

Sobre a pergunta “o que é um pai?” há três aspetos que a psicologia e as ciências humanas ajudaram a modernidade a consolidar como adquirido. Em primeiro lugar a proeminência que tem o pai na constituição da realidade psíquica de cada pessoa. Não podemos ser sem pai, pois aquilo que essa figura transmite (na função de pai real, simbólico e imaginário) é essencial para a fundação do sujeito. Em segundo lugar, enquanto que a mãe é representada pela evidência da carnalidade donde provimos, o pai assoma primariamente no interior do filho como uma interrogação, uma questão por explicar. O célebre adágio jurídico Mater semper certa, pater nunquam tem, antes de tudo, uma conotação existencial que cada um deve afrontar. E esse é um decisivo trabalho interno. Em terceiro lugar, está o facto de constituir uma verdade universal a afirmação de Jesus: “Ninguém conhece o Pai a não ser o Filho” (Mt 11:27). É isso que teoriza Jacques Lacan quando recorda que “é o jogo jogado com o pai” que permite aceder à sua (e à nossa) compreensão. Quer dizer, é necessário aprofundar a dádiva que o pai representa para passar da exclusividade do laço materno, fundado na fusão e no desejo, para a complementaridade do laço paterno que nos introduz na experiência da diferenciação e na objetividade da lei. Obsidiados pelo transe do consumo desejamos tanto que já não somos capazes de desejar. O desejo precisa da iluminação que é trazida pela lei De que “o jogo jogado com o pai” é complexo e, por vezes, dilemático dá amplamente conta a literatura do século XX, situando-se entre a vontade de rutura e o desejo de reconciliação. Bastaria pensar na contundência da carta que Kafka escreve ao pai: “Queridíssimo pai, Perguntaste-me, há pouco tempo, por que razão afirmo ter medo de ti. Como de costume, não soube responder; por um lado, precisamente pelo medo que tenho de ti, por outro, porque, na base deste medo, existem demasiados pormenores para que possa exprimi-los oralmente… E se neste momento procuro responder-te por escrito será de forma bastante incompleta porque, também por escrito, o medo e as suas consequências me tolhem diante de ti.” Ou, em linha divergente, na confissão que o poeta Umberto Saba faz de que possuía uma imagem errada do pai até ter percebido duas coisas: a necessidade de se reconciliar com a fragilidade do pai (“ele era um miúdo”) e de lhe fazer justiça como transmissor da vida (“o dom que recebi foi dele que recebi”). Quando se fala de um necessário trabalho interno com a figura paterna também é disto que se fala: a capacidade de aceitação dos limites, o reconhecimento de um dom absoluto mesmo que transmitido de forma débil, a experiência de perdão, o reencontro e a prevalência da gratidão. A cultura contemporânea não facilita, em nenhum modo, este reencontro, pois passou de uma demolição sistemática a uma estratégica (e eficaz) operação de evaporação do pai. Hoje, não existe propriamente uma rebelião contra a figura do pai, como em outras épocas do passado. A estratégia é antes a de agir como se o pai, e o que ele representa, tivessem sido removidos. Essa é, em grande medida, como bem o explica o psicanalista Massimo Recalcati, o artifício forjado pelas nossas sociedades quando impõem o consumo como padrão de felicidade. O desejo torna-se uma espécie de mantra omnipresente, que a publicidade repete sem cessar para alimentar o circuito insone do consumo. Mas o seu efeito exasperado é paradoxal: obsidiados pelo transe do consumo desejamos tanto que já não somos capazes de desejar. De facto, o desejo precisa da iluminação que é trazida pela lei. A conclusão, também aí, é que não podemos viver plenamente sem integrar a relação com o pai e o que ele significa. (in Jornal Expresso)
Quem é mais feliz? Quem dá ou quem recebe?

Ao longo da nossa vida, vivemos situações em que damos ou recebemos. Em qual, destas situações, nos sentimos realmente felizes? Sempre aprendi que quem dá também recebe, por isso, podemos ser felizes nas duas situações. Mas mais feliz é aquele que dá, sem esperar receber nada em troca. Mas acaba por receber o melhor presente de todos, que é o agradecimento do outro. Seja um agradecimento em palavras ou em gestos. É dando que recebemos. Não há maior amor do que dar a vida pelo outro. Deus levou este sentimento até ao fim, ao ponto de entregar o seu próprio filho à morte, para demonstrar o seu Amor por nós. Deus é amor! Que sentido damos à palavra Amor? Será um sentimento banal? Ou será “fogo que arde sem se ver”? Amor é entrega, é dar sem esperar nada em troca. Mas no fim receber o maior dos presentes, o Amor do outro. O amor leva à partilha, por isso, sentimos que temos que nos dar. Só assim nos sentimos realizados e completos. Há um episódio, na viagem ao Uganda, que ficará sempre guardado no coração. Na hora de almoço, tínhamos algumas crianças a brincar connosco e não conseguíamos ir almoçar e deixá-las ali fora, à espera. Ou seja, iriamos entrar para reconfortar o estomago, enquanto aquelas crianças, que não sabíamos se tinham comido alguma coisa durante o dia, iriam ficar do lado de fora à espera, para voltarmos para as brincadeiras. Algo nos dizia que tínhamos que fazer algo diferente. Até que alguém nos sugeriu, partilharmos o nosso prato com elas. Foi a voz de Jesus que, naquele momento, nos falou. E mostrou que podíamos sempre ser mais. Cada um de nós encheu o prato (mais do que o habitual), sentamo-nos no jardim e convidamos as crianças a sentarem-se connosco. Elas a medo lá se sentaram, esperando sempre que fossemos nós os primeiros a comer. Nesse dia não houve talheres, comemos com as mãos. Para elas era algo novo também, muitas nem entendiam porque o fazíamos, mas aceitaram o convite. Mesmo sem falarmos a mesma língua, sabemos que o Amor é a linguagem universal e então foi possível comunicar. Através de gestos, muitos sorrisos, abraços e beijos! Se fui feliz naquele dia? Nunca tinha experimentado tamanha felicidade! Ser missionário é ser feliz! É dando que se recebe! (© iMissio,)