A vida não é um caminho a direito

O futuro sempre foi insondável. Nos dias em que vivemos, muitos já aprenderam a lição de que os amanhãs não se deixam prever com segurança. A verdade é que somos frágeis e devemos cuidar de responder e de nos adaptarmos a cada momento, sem grandes convicções em relação ao que será o dia seguinte. O caminho descobre-se a cada dia. Há paragens em que não paramos, outras em que paramos e outras em que nos demoramos, mas a nossa vontade nunca é a única a decidir! Há dias em que acordamos num caminho diferente daquele em que estávamos quando anoiteceu. A fé é um sinal forte de que haverá uma razão acima das razões, mas a dúvida jamais deixa essa nossa confiança em paz. São sempre tantas as incertezas, em nós e fora de nós, que só pode ter certezas… quem não sabe nada! Só os ignorantes sabem o que vai acontecer daqui a um ano! Tudo muda, mesmo aquilo que as nossas convicções julgam impossível. Sem âncoras, andamos na vida a navegar tempestades. Fomos condenados a viver num mundo instável, inconstante e turbulento. E se há quem vá ao fundo, também há quem aprenda e lute para ficar à tona, sendo que alguns destes passam o tempo a resgatar náufragos! Uma pessoa vazia de grandes certezas pode ser alguém cheio de fé! (José Luís Nunes Martins)
370 milhões de crianças Africanas com fome

Quem já visitou alguma escola africana sabe disso: bem ao lado das salas de aula, em um pequeno espaço aberto, desde a madrugada um grupo de mulheres prepara uma fogueira sob enormes caldeirões. Enquanto enxames de crianças dividem os poucos metros quadrados de salas de aula modestas mas ao mesmo tempo bem cuidadas, ou mesmo apenas a sombra de enormes árvores sob as quais as aulas são ministradas, o calor da floresta cumpre seu dever, transformando a farinha de milho e a água no alimento básico da dieta diária. No Malawi é nsima, no Uganda é posho, no Quénia e na Tanzânia é ugali. Termos diferentes para indicar esse tipo de polenta nutritiva e de baixo custo, acompanhada de uma mistura de vegetais e alguns pedaços de carne ou peixe. Enquanto os pais estão no campo, a hora do almoço na escola é de importância crucial para os alunos africanos. Poucos tomavam o café da manhã em casa, embora muitas vezes precisassem caminhar alguns quilômetros para chegar à escola. Poucos terão garantido uma refeição completa à noite em casa. Por isso, frequentar a escola nessas latitudes é mais do que ir às aulas: em muitos casos, significa poder contar com a única refeição real do dia, em grande parte garantida por doações de organismos internacionais. A pandemia de Covid-19, apesar de ter causado menos vítimas na África (pelo menos em nível oficial) do que em outros continentes, deste ponto de vista atingiu fortemente aqui. Os bloqueios que fecharam as escolas durante meses afetaram, de fato, não apenas uma economia informal, que se fortalece no contato diário com os outros, mas também a alimentação regular das crianças. Um alarme que já havia sido levantado por missionários e organizações internacionais e que agora é “certificado” por um relatório lançado pelo UNICEF e o Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas (PMA). O estudo (“Covid-19: Faltando mais do que uma sala de aula”) revela que 39 bilhões de refeições escolares foram “perdidas” desde o início da pandemia. De acordo com os especialistas, 370 milhões de crianças em todo o mundo perderam 40% de suas refeições escolares desde que as restrições causadas pela Covid-19 fizeram com que as escolas fechassem. É por isso que o UNICEF e o PAM estão pedindo urgentemente aos governos que reabram as escolas e garantam que as necessidades de saúde, alimentação e nutrição das crianças sejam atendidas com programas extensivos de merenda escolar. Indicações semelhantes, não se referindo apenas às crianças, chegaram também ontem da ONG italiana Mani Tese na Guiné-Bissau. De acordo com sua pesquisa, de fato, no país o consumo de alimentos entre as famílias diminuiu de três para duas refeições por dia, devido às restrições necessárias para a prevenção da Covid-19. A renda familiar caiu devido à suspensão das feiras e ao fechamento das fronteiras, o que reduziu bastante o comércio. Espero que também aqui, como no resto do continente, chegue a vacina, mas os tempos não serão rápidos. Enquanto os países ricos continuam suas campanhas de vacinação, a África pode levar até três anos para imunizar 60% de seus 1,3 bilhão de habitantes. Além da UA e dos estados individuais, a Covax, iniciativa promovida pela OMS para o acesso igualitário às vacinas anti-Covid-19, também se move. Seu plano prevê atribuir uma primeira parcela de 337 milhões de doses aos países mais pobres (não apenas africanos) no primeiro semestre de 2021, uma atribuição que, no entanto, cobrirá em média apenas 3,3% da população total de mais de 140 países. acessar o primeiro ciclo de entregas. No total, a África deve receber 600 milhões de doses da vacina da Covax. Nem todas, entretanto, estarão disponíveis este ano: por exemplo, 500 milhões de doses da vacina candidata experimental da Johnson & Johnson serão incluídas, com entregas finais esperadas apenas em 2022. (©Avvenire)
Actualidade da democracia cristã

Sabemos que a expressão “democracia cristã” deixou de ter qualquer sentido para os dias que correm. Hoje, as iniciativas dos membros da Igreja, enquanto tais, para se organizar em partido político visando a conquista do poder não se perfilam como caminho. E, no entanto, há alguns factos recentes que nos levam a pensar a actualidade da fé como inspiração para a vida política concreta. Um desses acontecimentos foi a eleição do Presidente dos Estados Unidos da América. Pela segunda vez na história daquele país, foi eleito um católico. Não sei que lugar tem a fé pessoal dele na configuração do seu estilo como governante. Mas alguma atenção nos merece. Foi eleito igualmente um católico para a presidência do partido cristão democrata alemão, que certamente sucederá no governo à Chanceler Merkel, que governou durante duas décadas. Para já não falar do caso português onde também temos na presidência alguém que manifesta algum equilíbrio de juízo baseada na sua convicção cristã. Mas a pergunta mais importante não é sobre a velha democracia cristã, mas sobre o influxo tem ou pode ter a moral cristã na fundação do Estado de direito, nas actuais condições dos nossos países de democracia avançada. Como sabemos, lidamos com problemas tremendos, como a ascensão dos extremismos, com a ameaça do populismo, que é um triunfo da vontade arbitrária sobre a norma moral e sobre a instituição justa. É neste contexto que necessitamos urgentemente de dar um contributo para a refundação da democracia. Assim os governantes recém-eleitos o pudessem fazer com alguma eficiência. A moral política cristã tem um primeiro grande contributo a dar ao nosso tempo. É o contributo da moderação contra toda a forma de extremismo, seja elitista seja igualitarista. Sabemos como a vida em comum é feita de tantos pontos de vista, de tantas correntes de opinião, de tantas iniciativas. Não é fácil a convivência. A sabedoria política é feita da promoção de todas as diferenças, do esforço por dar voz e dar lugar a todas as formas pacíficas de viver e de contribuir para o bem comum. Claro que um discernimento moral tem de ser feito, identificando o limite negativo abaixo do qual a convivência não é possível. Mas esse número de coisas inaceitáveis, o que não merece respeito, o que é intolerável não é muito grande. Podemos dar o exemplo do abuso de crianças, do racismo, do genocídio, da opressão dos pobres, do homicídio terrorista de inocentes. O sentido moral que supera estas coisas cresce lentamente. É com moderação e iluminação mútua que se podem superar. A intolerância justicialista gera novas formas de intolerância. A fé cristã pode dar um outro contributo para uma melhor democracia: o sentido transcendente da pessoa humana. Este contributo é importante também para as correntes políticas dominantes do nosso mundo, sejam liberais, sejam sociais-democratas ou socialistas. A vida política não é possível sem a advertência de que há algo indisponível às opções humanas. Esse algo indisponível é que funda a democracia política, económica e ecológica. Ora, este aspecto é largamente ignorado por todas as correntes políticas dominantes que pensam que tudo depende da regra da vontade maioritária, mesmo a aprovação das constituições. O cristianismo assenta na ideia de que há uma “norma não normada” que funda as outras normas. Este ponto é fundamental para pensar o Estado de direito. Talvez não seja conveniente fundar partidos democratas cristãos. Mas é impossível para os cristãos não darem o testemunho do Absoluto que funda a liberdade e que funda o Estado de direito. Esperemos que este elemento não deixe de fermentar a vida da comunidade política, seja qual for o modo de o fazer institucionalmente. (Jorge Teixeira da Cunha)
“Nada Temas” foi um dos termos da Bíblia mais pesquisados na Internet

A aplicação “YouVersion Bible”, considerada uma das mais populares do mundo, atingiu em 2020 quase 600 milhões de pesquisas, número 80% acima do ano anterior, aumento possivelmente relacionado com a irrupção da pandemia de Covid-19 e a necessidade de encontrar textos relacionados com o medo, a cura e a esperança. O versículo 10 do capítulo 41 do livro profético de Isaías foi o mais procurado, em língua inglesa, na aplicação, repetindo o resultado de 2018: «Nada temas, porque Eu estou contigo; não te angusties, porque Eu sou o teu Deus. Eu fortaleço-te e auxilio-te, e amparo-te com a minha mão direita e vitoriosa». No início do ano, as palavras mais pesquisadas na aplicação s foram «ano novo», «a Bíblia num ano», «fé» e «jejum», mas a partir da aceleração do Covid-19, em março, o termo mais procurado foi «medo». À medida que a pandemia continuava, sobressaíram palavras como «paz», «esperança», «fé» e «justiça», ao passo que «cura» e «amor» foram consistentemente procurados. O fundador da YouVersion, Bobby Gruenewald, observou que nas dificuldades as pessoas continuam a buscar a Deus, neste ano com mais intensidade através dos meios digitais, não só porque ficaram confinadas em casa durante várias semanas, como, mesmo após o alívio de algumas das medidas mais restritivas, as igrejas tiveram de permanecer fechadas ou com limitações à capacidade de acolhimento. «Embora 2020 seja um ano que muitos dizem que gostariam de esquecer, nós vemo-lo como um ano para lembrar como Deus usou a aplicação da Bíblia para ajudar muitas pessoas que estão à procura de respostas», assinalou. «Medo» foi o principal termo de busca na aplicação durante os primeiros meses do ano, dando lugar a «justiça». A palavra «cura» constituiu uma das tendências de procura ao longo de 2020. Embora de livro bíblico diferente, o versículo mais procurado em 2019 não diferia substancialmente, em conteúdo, do “vencedor deste ano”: «Por nada vos deixeis inquietar; pelo contrário: em tudo, pela oração e pela prece, apresentai os vossos pedidos a Deus em acções de graças» (Carta de S. Paulo aos Filipenses 4,6). A página “The Bible Gateway” também apresentou resultados semelhantes: versículos relacionados com a ajuda de Deus para curar os doentes atingidos tiveram 90 vezes mais consultas do que a média quando, em março, começaram nos EUA as restrições devidas à Covid-19. O sítio também relata que as consultas ligadas ao racismo, justiça e opressão foram 100 vezes mais procurados do que a média na semana após a morte de George Floyd, enquanto versículos relacionados com autoridades governamentais tiveram mais de 50 vezes a média das pesquisas no dia da eleição. Os dois versículos mais procurados em “The Bible Gateway” continuaram a ser os mesmos de anos anteriores: «Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a fim de que todo o que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna», do Evangelho segundo S. João (3,16), foi o primeiro. Em segundo lugar, a passagem do profeta Jeremias (29,11): «Eu conheço bem os desígnios que tenho acerca de vós, desígnios de prosperidade e não de calamidade, de vos garantir um futuro de esperança – oráculo do Senhor». No terceiro lugar, uma novidade, com origem num livro que os peritos na Bíblia integram nas obras históricas: «O meu povo, sobre o qual foi invocado o meu nome, se humilhar e procurar a minha face para orar e renunciar à sua má conduta, hei-de escutá-lo desde o céu, perdoarei os seus pecados e curarei dos males o seu país» (2 Crónicas 7,14). O excerto foi várias vezes citado em orações pelo presidente dos EUA, Donald Trump, tendo sido o versículo mais procurado no período em torno à sua eleição, em 2016. «Doença», «pestilência», «praga», «orar pelo governo», «obedecer à autoridade do governo», «sinais do fim dos tempos», «fim do mundo», «racismo», «justiça», «igualdade» e «opressão» foram temas-palavras em “The Bible Gateway”. (Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura)
Amar em tempo de covid…e aceitar o outro como ele é.

Por vezes sinto que o mundo está a acabar. Não sou a única. Tenho amigos que sentem o mesmo. A banda desenhada torna-se realidade. Não sinto medo de morrer. Sei que vai acontecer, mas não me preocupo com quando será. Será quanto tiver de ser. Por vezes até me apetece “dar o corpo às balas” e fazer algo de útil para proteger todos aqueles que precisam de ser protegidos. Mas não sou médica, não sou enfermeira e a única forma de ajudar é isolar-me. Só isolando posso, ao menos, não passar a ninguém aquilo que ninguém quer, e aquilo que pode ser fatal para aqueles que amo. Só cumprindo as regras é que sinto que estou a fazer algo de útil. Já que nada mais sei fazer. E fico irritada quando os outros não as cumprem. Fico mesmo cega de irritação, porque acho que não estão a amar verdadeiramente o outro … como eu amo … ao ponto de confundir a minha necessidade de utilidade com a dos outros. E cada um é livre. Tanto isolamento tolda o juízo. Conjugado com incertezas várias sobre um futuro incerto e com os obstáculos do passado que teimam em estar presentes, a mente fica baça, o pensamento rotativo e rapidamente a minha realidade é uma fantasia criada na minha cabeça. Leio o esforço do outro como pouco face à rotatividade do meu pensamento, e fico com um medo autoritário embrulhado na minha fantasia de fim do mundo, onde eu sou insignificante, não fazendo parte o elenco principal ou da “linha da frente” sentindo-me assim, inútil. E o medo também tolda o juízo. E com o juízo toldado, não há realidade que valha, sendo necessário que o outro dê um grito de realismo e de relativismo, para que eu consiga acordar desta fantasia que também surge de noites sem dormir, sempre em alerta com medo de perder o que tanto se sonha ter: um futuro em harmonia, consciente, simples e sem preconceitos. Comecei 2021 a dizer “que 2022 venha depressa”. Comecei 2021 sem querer passar por ele. Vai ser duro. Está a ser muito duro. A exaustão leva ao conflito. O juízo toldado vai-nos cegar as ideias e os pensamentos. Rapidamente podemos entrar em conflito, perder o equilíbrio e ampliar algo que apenas careceu de um relativismo. Tudo passa. Até o Covid, como o temos hoje, irá passar. Temos de aprender a amar em tempo de Covid. Aceitar o outro como ele é e tentar sempre estar à altura das situações. E quando não o conseguirmos fazer, devemos pedir perdão e ser perdoados. Só com este bom senso genuíno e de coração conseguiremos ultrapassar os desequilíbrios, ruturas, egoísmos, medos que os próximos meses nos vão trazer. Somos humanos. Vamos errar muito, e precisamos de reconhecer o erro e ser perdoados. Só assim é possível caminharmos juntos, para um futuro melhor. (© iMissio,)