Actualidade da democracia cristã

Sabemos que a expressão “democracia cristã” deixou de ter qualquer sentido para os dias que correm. Hoje, as iniciativas dos membros da Igreja, enquanto tais, para se organizar em partido político visando a conquista do poder não se perfilam como caminho. E, no entanto, há alguns factos recentes que nos levam a pensar a actualidade da fé como inspiração para a vida política concreta. Um desses acontecimentos foi a eleição do Presidente dos Estados Unidos da América. Pela segunda vez na história daquele país, foi eleito um católico. Não sei que lugar tem a fé pessoal dele na configuração do seu estilo como governante. Mas alguma atenção nos merece. Foi eleito igualmente um católico para a presidência do partido cristão democrata alemão, que certamente sucederá no governo à Chanceler Merkel, que governou durante duas décadas. Para já não falar do caso português onde também temos na presidência alguém que manifesta algum equilíbrio de juízo baseada na sua convicção cristã. Mas a pergunta mais importante não é sobre a velha democracia cristã, mas sobre o influxo tem ou pode ter a moral cristã na fundação do Estado de direito, nas actuais condições dos nossos países de democracia avançada. Como sabemos, lidamos com problemas tremendos, como a ascensão dos extremismos, com a ameaça do populismo, que é um triunfo da vontade arbitrária sobre a norma moral e sobre a instituição justa. É neste contexto que necessitamos urgentemente de dar um contributo para a refundação da democracia. Assim os governantes recém-eleitos o pudessem fazer com alguma eficiência. A moral política cristã tem um primeiro grande contributo a dar ao nosso tempo. É o contributo da moderação contra toda a forma de extremismo, seja elitista seja igualitarista. Sabemos como a vida em comum é feita de tantos pontos de vista, de tantas correntes de opinião, de tantas iniciativas. Não é fácil a convivência. A sabedoria política é feita da promoção de todas as diferenças, do esforço por dar voz e dar lugar a todas as formas pacíficas de viver e de contribuir para o bem comum. Claro que um discernimento moral tem de ser feito, identificando o limite negativo abaixo do qual a convivência não é possível. Mas esse número de coisas inaceitáveis, o que não merece respeito, o que é intolerável não é muito grande. Podemos dar o exemplo do abuso de crianças, do racismo, do genocídio, da opressão dos pobres, do homicídio terrorista de inocentes. O sentido moral que supera estas coisas cresce lentamente. É com moderação e iluminação mútua que se podem superar. A intolerância justicialista gera novas formas de intolerância. A fé cristã pode dar um outro contributo para uma melhor democracia: o sentido transcendente da pessoa humana. Este contributo é importante também para as correntes políticas dominantes do nosso mundo, sejam liberais, sejam sociais-democratas ou socialistas. A vida política não é possível sem a advertência de que há algo indisponível às opções humanas. Esse algo indisponível é que funda a democracia política, económica e ecológica. Ora, este aspecto é largamente ignorado por todas as correntes políticas dominantes que pensam que tudo depende da regra da vontade maioritária, mesmo a aprovação das constituições. O cristianismo assenta na ideia de que há uma “norma não normada” que funda as outras normas. Este ponto é fundamental para pensar o Estado de direito. Talvez não seja conveniente fundar partidos democratas cristãos. Mas é impossível para os cristãos não darem o testemunho do Absoluto que funda a liberdade e que funda o Estado de direito. Esperemos que este elemento não deixe de fermentar a vida da comunidade política, seja qual for o modo de o fazer institucionalmente. (Jorge Teixeira da Cunha)
“Nada Temas” foi um dos termos da Bíblia mais pesquisados na Internet

A aplicação “YouVersion Bible”, considerada uma das mais populares do mundo, atingiu em 2020 quase 600 milhões de pesquisas, número 80% acima do ano anterior, aumento possivelmente relacionado com a irrupção da pandemia de Covid-19 e a necessidade de encontrar textos relacionados com o medo, a cura e a esperança. O versículo 10 do capítulo 41 do livro profético de Isaías foi o mais procurado, em língua inglesa, na aplicação, repetindo o resultado de 2018: «Nada temas, porque Eu estou contigo; não te angusties, porque Eu sou o teu Deus. Eu fortaleço-te e auxilio-te, e amparo-te com a minha mão direita e vitoriosa». No início do ano, as palavras mais pesquisadas na aplicação s foram «ano novo», «a Bíblia num ano», «fé» e «jejum», mas a partir da aceleração do Covid-19, em março, o termo mais procurado foi «medo». À medida que a pandemia continuava, sobressaíram palavras como «paz», «esperança», «fé» e «justiça», ao passo que «cura» e «amor» foram consistentemente procurados. O fundador da YouVersion, Bobby Gruenewald, observou que nas dificuldades as pessoas continuam a buscar a Deus, neste ano com mais intensidade através dos meios digitais, não só porque ficaram confinadas em casa durante várias semanas, como, mesmo após o alívio de algumas das medidas mais restritivas, as igrejas tiveram de permanecer fechadas ou com limitações à capacidade de acolhimento. «Embora 2020 seja um ano que muitos dizem que gostariam de esquecer, nós vemo-lo como um ano para lembrar como Deus usou a aplicação da Bíblia para ajudar muitas pessoas que estão à procura de respostas», assinalou. «Medo» foi o principal termo de busca na aplicação durante os primeiros meses do ano, dando lugar a «justiça». A palavra «cura» constituiu uma das tendências de procura ao longo de 2020. Embora de livro bíblico diferente, o versículo mais procurado em 2019 não diferia substancialmente, em conteúdo, do “vencedor deste ano”: «Por nada vos deixeis inquietar; pelo contrário: em tudo, pela oração e pela prece, apresentai os vossos pedidos a Deus em acções de graças» (Carta de S. Paulo aos Filipenses 4,6). A página “The Bible Gateway” também apresentou resultados semelhantes: versículos relacionados com a ajuda de Deus para curar os doentes atingidos tiveram 90 vezes mais consultas do que a média quando, em março, começaram nos EUA as restrições devidas à Covid-19. O sítio também relata que as consultas ligadas ao racismo, justiça e opressão foram 100 vezes mais procurados do que a média na semana após a morte de George Floyd, enquanto versículos relacionados com autoridades governamentais tiveram mais de 50 vezes a média das pesquisas no dia da eleição. Os dois versículos mais procurados em “The Bible Gateway” continuaram a ser os mesmos de anos anteriores: «Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a fim de que todo o que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna», do Evangelho segundo S. João (3,16), foi o primeiro. Em segundo lugar, a passagem do profeta Jeremias (29,11): «Eu conheço bem os desígnios que tenho acerca de vós, desígnios de prosperidade e não de calamidade, de vos garantir um futuro de esperança – oráculo do Senhor». No terceiro lugar, uma novidade, com origem num livro que os peritos na Bíblia integram nas obras históricas: «O meu povo, sobre o qual foi invocado o meu nome, se humilhar e procurar a minha face para orar e renunciar à sua má conduta, hei-de escutá-lo desde o céu, perdoarei os seus pecados e curarei dos males o seu país» (2 Crónicas 7,14). O excerto foi várias vezes citado em orações pelo presidente dos EUA, Donald Trump, tendo sido o versículo mais procurado no período em torno à sua eleição, em 2016. «Doença», «pestilência», «praga», «orar pelo governo», «obedecer à autoridade do governo», «sinais do fim dos tempos», «fim do mundo», «racismo», «justiça», «igualdade» e «opressão» foram temas-palavras em “The Bible Gateway”. (Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura)
Amar em tempo de covid…e aceitar o outro como ele é.

Por vezes sinto que o mundo está a acabar. Não sou a única. Tenho amigos que sentem o mesmo. A banda desenhada torna-se realidade. Não sinto medo de morrer. Sei que vai acontecer, mas não me preocupo com quando será. Será quanto tiver de ser. Por vezes até me apetece “dar o corpo às balas” e fazer algo de útil para proteger todos aqueles que precisam de ser protegidos. Mas não sou médica, não sou enfermeira e a única forma de ajudar é isolar-me. Só isolando posso, ao menos, não passar a ninguém aquilo que ninguém quer, e aquilo que pode ser fatal para aqueles que amo. Só cumprindo as regras é que sinto que estou a fazer algo de útil. Já que nada mais sei fazer. E fico irritada quando os outros não as cumprem. Fico mesmo cega de irritação, porque acho que não estão a amar verdadeiramente o outro … como eu amo … ao ponto de confundir a minha necessidade de utilidade com a dos outros. E cada um é livre. Tanto isolamento tolda o juízo. Conjugado com incertezas várias sobre um futuro incerto e com os obstáculos do passado que teimam em estar presentes, a mente fica baça, o pensamento rotativo e rapidamente a minha realidade é uma fantasia criada na minha cabeça. Leio o esforço do outro como pouco face à rotatividade do meu pensamento, e fico com um medo autoritário embrulhado na minha fantasia de fim do mundo, onde eu sou insignificante, não fazendo parte o elenco principal ou da “linha da frente” sentindo-me assim, inútil. E o medo também tolda o juízo. E com o juízo toldado, não há realidade que valha, sendo necessário que o outro dê um grito de realismo e de relativismo, para que eu consiga acordar desta fantasia que também surge de noites sem dormir, sempre em alerta com medo de perder o que tanto se sonha ter: um futuro em harmonia, consciente, simples e sem preconceitos. Comecei 2021 a dizer “que 2022 venha depressa”. Comecei 2021 sem querer passar por ele. Vai ser duro. Está a ser muito duro. A exaustão leva ao conflito. O juízo toldado vai-nos cegar as ideias e os pensamentos. Rapidamente podemos entrar em conflito, perder o equilíbrio e ampliar algo que apenas careceu de um relativismo. Tudo passa. Até o Covid, como o temos hoje, irá passar. Temos de aprender a amar em tempo de Covid. Aceitar o outro como ele é e tentar sempre estar à altura das situações. E quando não o conseguirmos fazer, devemos pedir perdão e ser perdoados. Só com este bom senso genuíno e de coração conseguiremos ultrapassar os desequilíbrios, ruturas, egoísmos, medos que os próximos meses nos vão trazer. Somos humanos. Vamos errar muito, e precisamos de reconhecer o erro e ser perdoados. Só assim é possível caminharmos juntos, para um futuro melhor. (© iMissio,)
Se Deus é bom, porque existe o mal?

Há quem acredite que a existência humana se deve a um acaso feito de uma sequência de acasos. Nada mais. Tudo o que é podia não ser, sem que nada faça sentido, nem o ser nem o nada. É preciso muita fé para acreditar que do início do fim do mundo tudo é sem sentido. É um excelente princípio aceitarmos que a nossa capacidade de compreender pode ser limitada e que, por isso mesmo, poderá existir um sentido que não conseguimos compreender… e a que costumamos chamar absurdo. Outras pessoas acreditam com mais ou menos firmeza na existência de Deus. Sendo que poucas coincidem na ideia que têm d’Ele, uma vez que há uma grande tentação de cada um O imaginar à sua imagem e semelhança, conforme as necessidades e momentos. É de tal ordem esta inversão que há quem chegue a ter necessidade de cuidar de Deus, como se Ele fosse uma criança que precisa da nossa orientação para fazer o Bem. Mas Deus não será a soma do que os homens julgam d’Ele, porque teria de ser tudo e o seu contrário. Há também quem acredite que Deus existe, ainda que não consiga explicar nem onde, nem como nem porquê. Deus será um ser poderoso, todo poderoso, capaz de criar tudo o que existe, o universo completo, ou incompleto, e cada um dos grãos de areia das praias, de uma forma direta ou indireta, a existência de tudo pode derivar da vontade criadora de Deus. Pode tudo, mas não pode criar algo que viole os princípios da razão que até para nós são inquestionáveis. Não é capaz de criar triângulos de 1 só lado ou mares sem água. Pode Deus criar um ser livre, mas que, ao mesmo tempo, Lhe seja necessariamente obediente? Não! Sem opções não há liberdade. Dar a liberdade é permitir a escolha, ceder o direito a que a criatura seja, ela mesma, capaz de participar nos atos da criação. E criar só pode ser um ato livre. Ser humano é ser livre. Por isso, faz sentido termos de decidir, tantas vezes, entre o bem e o mal. As marionetas movem-se e parecem escolher, mas são apenas extensões da vontade de quem as move. Se eu, usando a minha liberdade, escolher o mal, podendo até fazer sofrer muitas outras pessoas, nesse caso, de quem é a responsabilidade? De quem dá a liberdade ou do autor que abusa do ato livre? As consequências das más escolhas são de quem as decidiu. Assim como um gesto heroico e bondoso pode beneficiar muitos, também uma opção de alguém pode significar algo trágico para outros tantos, que assim se veem como que condenados a uma desgraça que não escolheram. Deus quis que o Homem fosse livre, mas o homem também tem de o querer. Pelo que Deus é o primeiro responsável pela existência da liberdade humana, mas não do mau uso que cada um de nós faz dela. Vivemos em conjunto. As nossas escolhas entrelaçam-se e implicam-se umas às outras, como um sistema interdependente de uma criação conjunta e contínua. Pode Deus alterar isto e intervir a cada má escolha, impedindo as suas consequências negativas? Seriamos livres se assim fosse? Quando se equaciona a morte, a dor, as injustiças e os males, é pouco habitual que se aceite que este mundo é apenas uma parte de um todo maior, onde o que parece absoluto aqui, talvez seja relativo face a uma realidade mais, chamemos-lhe, completa. Deus é bom e criou-nos para que sejamos bons, para que possamos alcançar a felicidade de escolher, sem coações, o caminho do amor. Deus fez-me livre, agora a escolha é minha. Face a todos os males do mundo o que escolho fazer? Culpar Deus ou apoiar, amando, quem sofre? É mais fácil ser egoísta e infantil, apontando culpas a outros, enquanto se espera que as coisas se resolvam sozinhas. Por um qualquer acaso sem sentido. Enquanto se julga ser um Deus que o universo e todos os outros devem servir… Acredito que Deus existe, que é livre e que decidiu criar-me livre, à sua imagem e semelhança. Escolha eu fazer o bem e, assim, ser bom. Deus quer o meu bem, aqui e agora? Ou o bem através de mim, para todos e para sempre? Talvez tudo isto seja ainda mais simples do que eu consigo explicar, mas a verdade é que face ao sofrimento, eu posso escolher assumir, ou não, a responsabilidade que, de uma forma ou de outra, é e será sempre apenas minha. (José Luís Nunes Martins)
Ave Maria

Gosto de pensar, Maria, que também a tua fraqueza sustém a tua força, que soubeste aceitar atravessar tantas incertezas, fazendo aderir o teu coração a uma confiança que não se via. E que, por isso, não te é estranha a minha agitação confusa, a minha indecisão, os medos que em certas horas me agridem, e que tu, que tudo compreendes, sabes abraçar. Gosto de recordar quanto foi difícil o teu caminho, repleto de obstáculos mais duros do que aqueles que eu enfrento, fustigado por sombras, derivas e dores. E que o teu olhar se tornou um imenso ventre, onde posso depor tudo aquilo que tanto me custa, e que tu, que tudo compreendes, sabes abraçar. Gosto de contemplar essa tua capacidade de agradecer. De agradecer a anunciação luminosa e as suas ásperas consequências; essas palavras límpidas e depois uma dolorosa sucessão de momentos passados a perguntar-te como será; a brandura da brisa e a dureza do vento. E que, por isso, tu abraças o meu cansaço de viver com esperança a minha força e a minha fragilidade; aquilo que levo ao termo e aquilo que deixarei incompleto; aquilo que depende ou não depende de mim – e tudo tu compreendes. Gosto de saber que encontraste os planos de Deus infinitamente superiores a ti e que, mais uma vez, te sentiste pequena, só e não à altura, como tantas vezes eu me sinto. E também por isto, no fundo de mim experimento que me abraças, tu que tudo compreendes. (Sec. Nacional da Pastoral da Cultura)