Não tens tempo para viver?

O mundo exige pressa e nós, sem pensar nem sentir, corremos atrás de urgências que não são nossas, mas sim de quem faz de nós escravos. Mártires do sucesso alheio. A velocidade é tanta que são poucas as vezes que nem nos damos conta dos erros que cometemos, tão-pouco dos acidentes que a nossa pressa causa em outros. As nossas desculpas são sempre as mesmas: não houve maldade e andamos afogados em exigências de coisas para fazer. Tiramos conclusões imediatas a respeito de qualquer pessoa, acontecimento ou objeto. Como se, com um olhar apenas, fossemos capazes de julgar tudo e todos. Vivemos ansiosos para que tudo se cumpra. Quando alguém demora um pouco mais a realizar algo de que dependemos, sentimos que tudo se começa a desmoronar numa espécie de efeito dominó. E pressionamos como se o mundo inteiro estivesse à espera. Na verdade, quase ninguém quer saber. E nós também devíamos aprender a relativizar as nossas aflições. Com que importância ficam todas essas exigências quando aparece um verdadeiro problema? Talvez os prazos com que nos flagelam a cada dia sejam uma forma de tentar assegurar um resultado a horas, mas será o melhor e aquele de que somos capazes, houvesse mais tempo? E eu, quantas vezes exijo o que implica sacrifício, só porque não sei esperar? O sistema está corrompido e hoje julga-se que o ponto antes do esgotamento é o limite da perfeição. É importante pararmos. Afastarmo-nos destas correntes que nos arrastam. Seria bom que fossemos capazes de escapar da prisão da rotina a cada semana, não para fazer nada de novo, mas sim para algo ainda melhor: estarmos um pouco connosco mesmos, em paz e sossego, longe de exigências e prazos. E ficar ali até nos sentirmos recarregados e capazes de voltar às agendas dos outros. Mais importante do que as notícias é a reflexão. Mais importante do que a nossa sociedade é a nossa família, mas muitos parecem não ter tempo para se dedicarem ao que importa… muitos arrependem-se, alguns… demasiado tarde. A vida é tempo. Tempo livre. As pressas dos outros não são vida. Quem não é senhor do seu tempo, não sabe viver e… morrerá sem ter vivido. (José Luís Nunes Martins)

Sobre o papel das mulheres na Igreja

Repetidamente vem a terreiro a questão do papel das mulheres na Igreja (Católica). Os que estão de fora acusam a Igreja de não ser suficientemente sensível aos avanços do papel e função das mulheres na sociedade, ignorando o sentido da sua fundação e da sua história. Repetidamente o Papa Francisco tem vindo a realçar o papel das mulheres na Igreja, atribuindo-lhes cargos de acompanhamento e mesmo de decisão, como aconteceu recentemente com a nomeação de cinco mulheres para o Conselho de Assuntos económicos da Santa Sé. Em 8 de outubro deste ano, defendendo uma maior presença laical, salientou especialmente a “presença feminina relevante na Igreja”. Igualmente o Presidente Conferência Episcopal Portuguesa, D. José Ornelas, propôs uma “mudança de paradigma”, com a valorização do papel das mulheres nos lugares de decisão, à imitação do entendimento do Papa Francisco. Afirmou que “junto com o ministério dos apóstolos, segundo a tradição católica, importa valorizar os sinais femininos”, lembrando o modelo da presença materna de Maria. Este  acentuar de uma nova dimensão da ação pastoral da Igreja leva-nos a centrar-nos nas suas raízes, verificando que o papel da mulher foi essencial na génese  do cristianismo. Importaria lembrar, para além da mãe Maria, o papel decisivo de mulheres como Maria Madalena, primeira testemunha da Ressurreição, e sublinhar a presença evangelizadora da mãe de Jesus no início da Igreja, em dia de Pentecostes, no primeiro anúncio de Jesus como Messias e no primeiro universo de batizados. Lembre-se também o papel decisivo de muitas mulheres no início da evangelização, como a macedónia Lídia, como o casal Áquila e Priscila, e como aquelas que saúda Paulo no final da Carta aos Romanos, a Maria e a caríssima Pérside “que muito trabalhou pelo Senhor”. Poderíamos mesmo a firmar que entre todas as organizações humanas nenhuma deu mais preponderância à presença e ação das mulheres do que a Igreja na sua atuação e anúncio. Testemunham-no tanto as numerosas jovens que se tornaram cristãs e que por isso foram martirizadas, como aquelas que ficaram na história e na tradição, como Inês, Cecília, Bárbara, Catarina, Luzia, figuras simbólicas de um universo de quantas compreenderam e realizaram até à heroicidade o mistério cristão. Outras ficaram na História pela sua sabedoria, arte, disponibilidade, humanismo da simplicidade de vida, como Hildegarda de Bingen (1098-1179), que associou a mística beneditina à teologia, medicina, música, arte e ao culto da natureza. Inevitável, pela sua relevância na História da Igreja a referência a Santa Catrina de Sena (1347-1380), dominicana, que aliou o seu saber filosófico e teológico ao esforço e intervenção pelo regresso do Papa a Roma e pela unidade do Papado após o cisma. Que diremos de Santa Teresa de Ávila (1515-1582), que com o impulso da sua espiritualidade carmelita, aliou o sentido religioso e místico da vida a uma capacidade organizativa e dinamizadora da vivência comunitária das realidades humanas, pela literatura, pela poesia, cujas sobras são tidas por modelo da linguagem castelhana. E teremos que passar igualmente por outra Teresa, a de Lisieux (1873-1897), que, na simplicidades da sua vida e da sua escrita, propunha a verdade essencial do evangelho e a dinâmica da missionação. Canonizada em 1925, assume-a a Igreja com Padroeira da Missões. E mais perto de nós, duas figuras da conversão, do pensamento e da pedagogia do sentido humanista da vida: uma, Edith Stein (1891-1942), filósofa e teóloga de origem judaica, tornada Teresa Benedita da Cruz, morta no campo de concentração de Auschwitz, canonizada em 1998, por João Paulo II que a lembrou como “Ilustre filha de Israel”, e que o Papa Francisco recordou a santa como “mulher de diálogo e de esperança” e designada padroeira da Europa; outra, visionária e também vítima da intolerância, Simone Weil (1909-1943), numa busca densa e constante de uma espiritualidade inter-religiosa, encontrando no diálogo com o teólogo Gustave Thibon (1903-2001), um projeto de relação criadora entre o pensamento cristão e as visões da mística do mundo oriental. Não é uma santa reconhecida, mas uma pensadora cujo sentido ascético da vida a aproxima do espírito dos ascetas cristãos. Quantas outras mulheres inspiradoras havíamos de encontrar na história do pensamento e da ação do Igreja? Teresa de Calcutá? Rita de Cássia? Clara de Assis? Escolástica, irmã de S. Bento? Isabel de Portugal? Cada pessoa, mulher ou homem, encontre nelas um modelo a seguir.

Os amigos não partem quando a desgraça chega.

Um amigo ajuda-nos a descobrir o que temos de bom em nós e a pô-lo em ação, e mesmo quando julgamos que não aguentamos mais, um amigo revela-nos onde podemos encontrar as forças para enfrentar o que nos quer derrotar. Há quem julgue que tem muitos amigos, mas, na verdade, são poucos os que têm dois ou três. Quantas pessoas tens que celebram as tuas vitórias como se fossem deles mesmos? Quantos ficam contigo quando tudo te corre mal por tua culpa? Cada amigo é único, porque o seu olhar vê e ilumina partes diferentes do que somos. Ajuda-nos a sermos quem podemos ser. Um amigo é alguém que entrelaça a sua vida na nossa. Uma grande parte dos que se dizem amigos afastar-se-ão assim que as coisas começarem a correr mal. Nenhuma lágrima nossa lhe cairá nos ombros. Alguns dos outros ainda ficam para esse momento, mas partirão pouco depois, assim que perceberem que o poço é fundo e que a tempestade vai ser longa. Seria melhor que não fingíssemos amizades, para não termos de revelar às pessoas que nos julgam próximos e amigos que, afinal, não o somos, ou porque não queremos ou porque não conseguimos. Um amigo é o contraveneno da solidão. O amor exige que entreguemos o nosso tempo e ser a quem precisa, mesmo que nos possa parecer que não nos merece. Quantas pessoas és capaz de perdoar do fundo do coração e esquecer? Quantas pessoas pões à frente de ti na fila para a felicidade? Um amigo ama. (José Luís Nunes Martins)

O dom de ter uma pessoa boa junto de nós.

Se tivesse de escolher a mais essencial entre todas as qualidades a procurar na pessoa com quem partilhar a vida, direi que a coisa, em absoluto, mais importante seria encontrar, se possível, uma pessoa boa. Não que sejam irrelevantes a beleza, a inteligência, o espírito empreendedor, a capacidade de ter sucesso; mas nenhuma destas qualidades, por si só, é a crucial na vida em comum. Ao longo dos anos convenci-me de que para viver bem em conjunto e amar a cada dia como se fosse o primeiro, é preciso, sobretudo, aprender a tornar-se uma pessoa boa. A bondade não está muito na moda, e talvez nunca tenha estado; com efeito, é percebida como uma característica dos perdedores e dos fracos, daqueles que estão bem com todos para não terem de tomar posição, ou de quem não é capaz de se pôr do seu próprio lado, de defender e afirmar os seus direitos. A bondade parece, por isso, uma qualidade triste, reservada a quem não possui outros, e bem mais interessantes, recursos. Além disso, muitas vezes confundem-se bondade e excesso de bons sentimentos: uma espécie de indiferentismo superficial, complacente e enfadonho, que, seguramente, não pode fascinar ninguém. Mas que quer dizer ser bom? Romano Guardini surpreende-nos com esta fulgurante definição: «Um homem bom é alguém que tem boa opinião da vida». Ter uma boa opinião da vida não é uma coisa banal, porque a maior parte de nós considera muito mais natural falar mal da vida e ter dela uma má opinião. A vida, de resto, está repleta de dificuldades: limites, desgraças, prepotências, injustiças estão na ordem do dia; as pessoas ferem-nos, as coisas resistem-nos, os contratempos irritam-nos. A coisa mais óbvia parece ser blindarmo-nos, adotando defesas que são frequentemente defesas preventivas, úteis para evitar ficar feridos. A muitos, depois, a vida surge como uma promessa não mantida; passada a infância, sobretudo hoje tão amimada, e a adolescência, sobretudo hoje tão desresponsabilizada, a vida real com as suas responsabilidades e os seus limites aparece-nos como desilusiva e injusta: quase sem nos darmos conta, assumimos, assim, uma atitude de crédito perene, que torna o coração duro e invejoso para quem nos parece mais favorito. É precisamente aqui que entra em jogo a diferença de quem tem o coração bom: a pessoa boa, que consegue manter em todas as situações uma boa opinião da vida, é capaz de encontrar em cada circunstância o bem que é possível encontrar, sabe ler os dons, mesmo que pequenos, que cada dia traz consigo, sabe rejubilar com o bem dos outros, sabe apreciar cada rebento que vê nascer e encoraja-o a crescer. A confiança que um coração bom tem para com a vida permite ao bem multiplicar-se, e ao mal de permanecer confinado, sem se alastrar ou levar a melhor; permite ler as razões dos outros e assumir o seu ponto de vista, e, portanto, de tentar perdoar, ou, pelo menos, nunca alimentar o rancor. O coração bom dispõe-nos de maneira fundamentalmente positiva diante de qualquer pessoa ou acontecimento, e, por isso, dispõe-nos a ser, na medida do possível, também felizes. Ter próximo de nós uma pessoa boa é um dom precioso: não é difícil amar pessoas assim. Portanto, se desejamos ser amados, talvez a melhor coisa seja treinar o nosso coração a tornar-se bom; também o ser-se bom treina-se: dia após dia, procurando cuidadosamente o belo e o bem que, de alguma forma, passam junto de nós, predispondo o olhar para a parte positiva dos outros, aprendendo a mandar embora o fastídio dos pequenos e grandes contratempos sem deixar que nos estraguem o dia. E cultivando também o nosso senso de humor, que nasce de um olhar bom sobre a fragilidade e estranheza do humano: como também as neurociências nos ensinam, uma gargalhada de coração dá ao nosso corpo e à nossa psique muitos mais benefícios do que tantos medicamentos. (Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura)

O equilíbrio do casamento: entre continuidade e mudança.

Numa das cenas cruciais do filme “Vamos dançar?”, com Richard Gere e Susan Sarandon, decorre uma interessante troca de palavras entre a protagonista e o detetive privado que ela contratou para perceber se o marido a traía. A mulher pergunta ao detetive: «Qual é, na sua opinião, a razão por que as pessoas se casam?». O homem responde: «A paixão!». «Não», devolve ela. Diz ele: «É interessante, porque eu diria que é uma pessoa romântica. Então qual é?». E a mulher explica: «Porque precisamos de uma testemunha da nossa vida… Há milhões de pessoas no planeta. Que importância tem a vida de cada pessoa? Mas num casamento, a promessa é importar-se com tudo… quer das coisas boas, quer das terríveis, ou frívolas. Com tudo, sempre, todos os dias. Quem promete, diz: a tua vida não passará sem ser notada, porque eu estou lá para a notar; a tua vida não ficará sem testemunhas, porque eu serei a tua testemunha…». Então, no casamento não entra a paixão? Não entra o sentimento? Talvez, mais simplesmente, paixão e sentimento não são suficientes por si só para justificar uma relação complexa como o casamento. O casamento é realmente uma história na qual cada um dos dois é única e verdadeira testemunha da vida do outro: conhece o outro como ninguém, inclusive nas dobras mais secretas do ser, conhece-o e vê-o inclusive nos momentos em que ele próprio não se vê. No casamento vemos o outro em ação a cada dia, em qualquer tipo de situação, na relação consigo próprio, além da relação com o mundo; podemos observá-lo “de costas”, conhecer lados dos quais ele próprio não tem consciência. Vemo-lo sofrer, vemo-lo estar alegre e triste, desanimado ou confiante; vemo-lo envelhecer. Admiramo-lo, detestamo-lo, amamo-lo, rejeitamo-lo. Mas se a relação é verdadeira, o tempo torna-o cada vez mais precioso, apesar de toda a dificuldade. Para poder ser tudo isto, o casamento tem de ser redefinido por aquilo que é: uma relação pensada para durar no tempo, não uma relação a termo. É precisamente esta característica que dele faz, no plano afetivo e psicológico, um ligame altamente específico, muito diferente das outras relações, mesmo intensas e significativas, que não têm como pressuposto partilhado o compromisso recíproco para a continuidade e duração. Mas o projeto de fazer durar a ligame de amor “para sempre” comporta como consequência igualmente específica a necessidade de desenvolver algumas competências que não podemos dar por adquiridas: trata-se de competências necessárias para fazer frente às inevitáveis situações de crise que, mais cedo ou mais tarde, se vão apresentar, sem nunca chegar a destruir a relação. Isto exige ao homem e à mulher que aceitem o casamento como um longo caminho, que os coloca diante do desafio de um crescimento continuado. Quer a nível individual quer enquanto casal, têm de passar, com efeito, por numerosas mudanças e momentos de renegociação da sua relação, porque a decisão inicial não é senão o primeiro ato de uma longa aventura, interessante e riquíssima. Ler o casamento como um processo dinâmico é muito importante: a relação de casal, efetivamente, não pode ser pensada como algo de estável e definido de uma vez por todas, porque a mutação da vida no tempo e a evolução pessoal de cada um tornam necessárias contínuas adaptações recíprocas. O desafio é o de encontrar um justo equilíbrio entre a continuidade e a mudança: continuidade que permite encontrar e manter a identidade única da relação, mudança que permite a cada um continuar a crescer, sempre no respeito pelo outro. Precisamente em consequência de tudo isto, o aparecimento de momentos de crise não pode ser considerado um facto excecional, e não indica necessariamente uma disfunção ou uma patologia do casal; cada crise tem, antes, a função de assinalar que chegou o momento de colocar em discussão o próprio ligame, para o reorganizar sobre equilíbrios novos, e introduzir as mudanças necessárias para que a relação se mantenha ao mesmo tempo estável e sempre vital. (Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura)