Paróquia das sete chagas

Diante de comunidades paroquiais das periferias do mundo, que vivem o essencial, ou seja, a Palavra, os sacramentos, a caridade, tornam-se «ridículas certas contendas que, por vezes, entre nós, sorvem energias e paixões» relativamente à gestão de espaços e estruturas, divisão de competências, mudança de horários de missas, organização de iniciativas. Mas a busca de protagonismo, mais do que do serviço, está longe de ser o único mal das paróquias. 1. Maledicência afiada Ditada por invejas, ciúmes, desejo de se sobressair, ao ponto de se chegar à calúnia. «A Palavra de Deus adverte para a utilização bélica da língua», e a Eucaristia é «ação de graças», e «nunca maldição contra alguém». «Como se pode participar na missa e depois encher a boca de maledicências e falatório?». Por que não, antes, praticar «o método da correção fraterna»? 2. Lamentação crónica «Consiste na tendência a falar sempre daquilo que não funciona, daquilo que os outros deviam fazer e não fazem, de tudo aquilo que falta e devia estar presente». O cristão é chamado ao louvor, e não ao lamento «crónico». Além disso, «uma comunidade lamentosa, por muito organizada que seja, não atrai ninguém, e, aliás, afasta». 3. Paralisia paroquial Manifesta-se quando o tradicionalismo (o «sempre se fez assim») se torna mais importante do que a tradição. Também os métodos já experimentados e as experiências pastorais testadas devem ser submetidas a verificação, porque, «por vezes, a manutenção de formas do passado, em vez de respeitar a inspiração originária, trai-a». 4. Perfeccionismo paranoico Há quem queira a comunidade perfeita. «Na celebração eucarística está presente a comunidade tal como é, não a comunidade perfeita … as comunidades cristãs são atravessadas por defeitos». O remédio? Ativar a misericórdia, redescobrir a grandeza do perdão, na consciência de que «o perdão não se confeciona na farmácia do coração, mas aprende-se de Deus». 5. Calculismo comunitário Trata-se da avaliação da vida paroquial apenas na base da «quantidade»: número de pessoas, atividades realizadas, dinheiro ganho… «Semear é mais importante do que recolher». Por isso, é preciso «superar a ânsia dos números: a expressão da amargura pelo facto de se ser poucos torna-se muitas vezes um incentivo para esses mesmos poucos se irem embora». 6. Ativismo ansiogénico Vivemos num contexto em que se respira «a tensão para as prestações», com o resultado de a atividade «aumentar a ânsia, e a ânsia aumentar a atividade». Um círculo vicioso que faz esquecer a ação benéfica da Eucaristia, que «é pura gratuidade, celebração, alegria de estar juntos, contemplação… não produz mais ânsia». Jesus «censura não o serviço, mas a ânsia de Marta». 7. Miopia pastoral «Patologia ocular que permite apontar o foco para o que está próximo, mas torna desfocada a vista de pessoas e coisas afastadas.» Alguns cristãos consideram que algumas mudanças são acertadas, mas «opõem-se à sua aplicação para eles próprios, enquanto requerem um sacrifício». «A paróquia peregrina é o contrário da paróquia “NIMBY” [acrónimo inglês para “Not im my back yard”], ou seja, põe-se a caminho com coragem e projeção, em vez de defender o seu próprio átrio com medo e espírito conservador.» (Bruno Scapin – A partir de carta pastoral de D. Erio Castellucci, bispo de Modena-Nonantola (Itália), 14.09.2017 – In Settimana News Trad.: Rui Jorge Martins)
Cristianismo: beleza sim, luxo e vanglória não

Conhecemos bem o episódio evangélico em que uma mulher parte um frasco de alabastro com perfume preciosíssimo e o derrama sobre a cabeça de Jesus. Judas e outros discípulos contestam o gesto, acusando a mulher de desperdiçar o perfume: teria sido melhor vendê-lo -dizem -, e com o dinheiro obtido ajudar os pobres. Mas Jesus vê naquele ato gratuito o amor profético por Ele, a caminho da morte, e não só o justifica como liga o anúncio do Evangelho à memória daquela mulher (cf. Marcos 14,3-9 e paralelos). No cristianismo não há lugar para o legalismo, mas é preciso viver a gratuidade, a liberdade e, no limite, o excesso de beleza. Isto, porém, não justifica nem o acumular de riqueza nem o luxo de quem quer impor e fazer ver, ostentando, a sua arrogância. Aliás, já os profetas de Israel tinham lançado invetivas contra os reis de Jerusalém que construíam para si casas faustosas, contra as mulheres que exibiam ornamentos e joias, contra os poderosos que todos os dias se banqueteavam lautamente. E quando aparece João Batista para pregar a conversão, estava vestido com pelos de camelo e trazia uma correia de couro à cintura, como os antigos profetas, pobres e quase nus; só com a sua pessoa ele contestava – segundo as palavras do próprio Jesus – aqueles que usam roupas luxuosas e estão nos palácios dos reis. Os padres da Igreja continuarão esta tradição, estendendo a sua crítica à vida da Igreja. João Crisóstomo recorda que «o corpo de Cristo que está no altar não precisa de capas, mas de almas puras». Ambrósio afirma que «dividiu e vendeu os vasos sagados para resgatar prisioneiros». Também Bernardo de Claraval se fez voz da sobriedade exigida também a sacerdotes e bispos, na consciência do contratestemunho que se dá quando se privilegia a exterioridade e o mostrar-se em comparação com a intensidade da vida espiritual. Mas esta sua correção fraterna nem sempre é bem acolhida pelos destinatários: ele mesmo recorda que denunciou o luxo e as extravagâncias inclusive em homens de Igreja, mas confessa que, «quando o escreve numa carta, aqueles desdenham lê-la, ou se, por acaso, a leem, indignam-se com quem a escreveu». Sim, por vezes a vaidade torna-se uma tentação também na Igreja, e por isso o Concílio Vaticano II recordou que «os ritos devem resplandecer pela sua nobre simplicidade», e as «vestes e os ornamentos sagrados pela nobre beleza». Há um estilo absolutamente decisivo na vida da Igreja, o estilo que deve significar sempre a glória de Deus na simplicidade e na beleza que não ofuscam, que não confundem os pobres e os necessitados. Não é fácil, certamente, tomar decisões: há sempre o risco de uma rigidez legalística não conhece a gratuidade nem a alegria; ou de um luxo irreprimível, que recorda os palácios dos reis. Bento XVI retomou fortemente «a invetiva do apóstolo Tiago contra os ricos desonestos, que colocam a sua segurança nas riquezas acumuladas à força de abusos», e que depois a ostentam com vanglória. Alguns acontecimentos mostram-nos que quando há arrogância, ostentação de poder, luxo sem freio da parte dos poderosos, o seu fim e a devastação podem estar muito mais próximos do que se imagina. De facto – como canta o salmista –, o luxo e a riqueza desenfreada impedem a compreensão, e assim acaba-se por percorrer um caminho mortífero, como animais conduzidos ao matadouro (cf. Salmo 49,21), que não entendem o que lhes está a acontecer. (© Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura)
Não imponhas o que dizes, não esmagues o que escutas!

Estamos muitos mais vezes errados do que julgamos, impomos os nossos enganos com teimosia e desacreditamos a verdade que alguém nos diz. Os outros não estão sempre errados. Chegam, por vezes, a ver-nos melhor do que nós mesmos. Ouvi-los até ao fim, antes de sequer pensar em os criticar pode ser uma excelente forma de sabermos mais sobre quem somos e, de forma indireta, sobre quem eles são! Há pessoas que se revelam em poucas palavras, mas só para quem está muito atento. Quem fala muito, diz sempre mais do que queria! Interromper à primeira oportunidade é uma má estratégia, porque se, por um lado, podemos estar a precipitar-nos, por outro, isso vai impedir-nos de ver mais e melhor. Cinco minutos de boca fechada e pensamento atento podem dar-nos mais do que horas de interrogatório e do que anos de estudo! Uma palavra má, mais do que nos magoar, deve abrir-nos os olhos sobre quem a diz, a fim de procurar o seu porquê. Muitas vezes, são espinhos antigos que traz cravados na carne. Uma simples palavra pode durar pouco e valer muito. Todos vemos tudo a partir do que somos. E cada um de nós é diferente de todos os outros. Tentar comparar duas pessoas é um disparate e uma perda de tempo. Somos únicos e é nessa autenticidade que reside o nosso valor. Mas sendo limitados, precisamos dos outros para alargar a verdade sobre o mundo. Não te precipites, escuta primeiro e bem, antes de começares a pensar no que podes dizer a seguir. Até porque, na maior parte das vezes, o silêncio é a melhor resposta. Não expliques demasiado nem procures explicações profundas. Quanto mais se explica mais longe da verdade se fica. (José Luís Nunes Martins)
Passear com Deus

Passear com Deus. Talvez seja isto que nos falte. Torná-Lo mais próximo e deste jeito perceber que Ele efetivamente está. Deixar que Ele nos mostre e nos fale de como tudo é Seu e vem de Si. Permitir até que Ele se torne no nosso guia turístico. Mostrando por onde tem deixado as suas pisadas e deixando o registo das suas coordenadas. Mostrar-nos quais os cantos favoritos dentro do mapa da nossa vida. Passear com Deus ajuda-nos a entender as partidas como as nossas eternas chegadas. Tornar a nossa fé num passeio com Deus é descobrirmos que Ele nos leva de mão dada para que nos possamos encontrar, para que possamos encontrar tantos e tantas. Quando deixamos que Deus nos leve damos de caras com o Seu Reino como se tivesse sido costurado em todo o nosso caminhar. Aceitar Deus como nosso companheiro de viagem é reconhecer que Ele não nos visita apenas em dias de grande regozijo, mas que nos fala da Sua certeza em dias em que o silêncio nos confirma toda a Sua ação. Deus é este nosso fiel companheiro de viagem capaz de se humedecer com a nossa história. Deus é este nosso amável companheiro de viagem que não quer que cheguemos sozinhos a lado nenhum. Passear com Deus não é esperar que O vejamos na Sua plenitude. Passear com Deus é deixar que Ele entre em toda a nossa existência dando-nos a sabedoria de encontrar beleza em tudo o que somos, fazemos e vemos. Passear com Deus será, sem dúvida alguma, uma outra forma de rezarmos e de deixarmos que Ele reze em nós. Há por aí tantos lugares e pessoas que estão à espera que lhes visitemos com o coração e que lhes entreguemos, em cada olhar nosso, a visita d’Aquele em que o Seu maior poder está em amar incondicionalmente tudo…e todos! (© iMissio,)
Honra os teus velhos-

Um facto ao qual não nos deveríamos habituar é este: que na informação sobre as vítimas da pandemia venha associada a sua idade e a indicação de que eram afetados por outras patologias. Não nos damos conta, mas com isso descemos, de forma irreversível, alguns degraus daquele precioso património comum a que chamamos civilização. Não discuto que a intenção possa ser virtuosa, pois supostamente visa serenar os outros segmentos da população. Mas certas serenidades induzidas têm de ser questionadas, sobretudo se reforçam a vulnerabilidade de quem já tem de suportar tanto. É fundamental que para as nossas sociedades seja claro que há coisas piores do que a infeção com o vírus da covid-19. Se os velhos são reduzidos a números, e a números com escassa relevância humana e social, podemos até superar airosamente a crise sanitária, mas sairemos diminuídos como comunidade. Rodarão as estações. A esta primavera suceder-se-á outra, porventura, mais risonha, distendida e ampla. Mas nunca mais respiraremos da mesma maneira. É que não se envelhece para morrer. Penso no modo extraordinário e preciso como o livro do Génesis descreve a caminhada do patriarca Abraão. “Abraão expirou… velho e saciado de dias” (Gen 25:8). Sim, não se envelhece para morrer. Envelhecemos para nos saciarmos de vida e desse modo sentir que, mesmo escassa ou vacilante, a vida é o milagre mais espantoso, mais indescritível e pródigo que nos tocou em sorte. Com razão, James Hilmann escreveu: “Envelhecendo eu revelo o meu carácter, não a minha morte.” A velhice é um laboratório de vida presente e não só passada, uma escola onde se aprofunda o significado da esperança e do amor. Quando estes sentimentos, despidos já das contaminações do cálculo, distantes do enganador afã dos objetivos que lhe colocámos, revelam finalmente a sua natureza. O que é o amor em si, o que é a esperança sem mais — os velhos sabem-no melhor. E, contudo, resistimos tanto a perguntar-lhes, como se essa transmissão de sabedoria não nos fosse indispensável. Que os velhos se tenham tornado uma abandonada periferia — e os condicionamentos da pandemia podem ainda dramaticamente acentuá-lo — diz muito da crise interior que mina o nosso tempo. Há cem anos, no início dos anos 20 do século passado, Max Weber escrevia que, diferentemente das gerações que nos precederam, “os homens já não morrem saciados de vida, mas simplesmente cansados”. O dogmatismo com que hoje encaramos a produtividade, a eficiência e o consumo tornou-nos uma sociedade desligada de dimensões essenciais. Nela, os velhos perderam o seu papel social, pois deixámos de valorizar o depósito de conhecimento e experiência que representam, e passamos a apostar todas as nossas fichas numa ideia de progresso baseada na mudança contínua, sem freios nem memória. Precisamos de nos reconciliar com a velhice. É um erro grosseiro representar os velhos como um peso: experimentam-no quotidianamente as famílias que sem a colaboração dos avós não saberiam como conjugar as vidas profissionais com a vida familiar; sabem-no as crianças e os jovens que nos mais velhos encontram disponível um bem que mais ninguém lhes oferece com aquela gratuidade: tempo; constatam-no todos os espaços de convivência humana que dos velhos recebem testemunhos de sabedoria, afeto e resiliência, pois eles felizmente têm olhos para aquilo que mais ninguém vê. O antiquíssimo Livro do Levítico recorda-nos este imperativo de futuro: “Ficarás de pé diante do que tem cabelos brancos; honrarás o rosto de quem é ancião” (Lev 19:32). (D. Tolentino Mendonça)