Mais tempo não é melhor tempo.

O tempo é uma coisa estranha! É bom ter tempo, é bom não o perder, mas se nada de bom nele fizermos até o seu vazio nos é pesado e penoso! É verdade que há momentos pelos quais vale a pena esperar anos! Mas então, o que devemos fazer entretanto? Uma grande quantidade de tempo não significa uma maior qualidade. É essencial que tomemos o leme da nossa vida no mar da história, tirando partido de todo o tempo que nos é dado viver. Todo. Mesmo aquele que apenas nos parece ser sem sentido. O mundo de hoje exige que sejamos produtivos, que lhe entreguemos os nossos dias em troca de rentabilidade, sem desperdício. Mas o que é perder tempo? Saber esperar é, por si só, uma excelente forma de investir as nossas horas. Basta que pensemos que é possível dizer a mesma coisa à mesma pessoa em momentos diferentes, e que isso pode ter resultados muito diferentes. Portanto, não basta fazer o que é certo, é essencial acertar no tempo de o fazer! Quantas vezes já nos atrasámos (ou nos adiantámos) no tempo que seria o certo de fazer qualquer coisa? A verdade é que nenhum instante de cada existência humana se repete. Tudo é único. No entanto, pela mesma oportunidade, uns quase que não têm de esperar, enquanto, para outros, uma vida parece não ser suficiente… A vida é inscrita no tempo, mas não é o tempo. Os nossos anos são o papel onde nos é dado escrever, muito ou pouco. A vida de cada um de nós é a história que decide escrever por si mesmo. Há quem tenha muito papel e não mais que uma narrativa pobre, solta e sem grande sentido, enquanto outros são capazes de numa só página escrever uma história intemporal. Aproveitemos todo o tempo e cada uma das oportunidades! Antes de mais, convém sabermos do que estamos à espera! E só isso já demora tempo a definir, porque entre os sonhos sem sentido e a resignação absoluta há um espaço maior que a distância entre o céu e a terra. Sejamos senhores do tempo que nos é dado, encontrando o seu sentido no mais fundo de nós e fazendo com que nenhum dia da nossa vida seja um intervalo inútil. (José Luís Nunes Martins)

Redescobrir o sentido do limite.

Começamos a entrever o fim da epidemia que transtornou profundamente os nossos estilos de vida diários. Aconteceu algo de imprevisível, de realmente impensável. Vivíamos num mundo doente, mas não nos aflorava a ideia de podermos adoecer tão rapidamente e desta maneira. E eis a inesperada vinda de um mensageiro devastador, o coronavírus. Alguns virólogos colocavam remotas hipóteses sobre a possibilidade de uma tal irrupção. Só alguns, sentinelas capazes de discernir os passos da humanidade, denunciavam, quase profeticamente, ainda que de maneira confusa, que «corríamos em excesso, devíamos deter-nos». Sem uma mudança concreta – diziam – aceleraríamos uma crise de proporções desconhecidas e impensáveis. É significativo que este flagelo se tenha abatido sobre uma sociedade treinada desde há décadas a pensar a “crise”, exercitada a combate-la sob diversas formas: a crise económica, a financeira, a do tecido social. Tudo isto no quadro dos nossos países ricos, que fazem parte do “primeiro mundo”, onde reinam o mercado, o desenvolvimento, o consumo, a vida opulenta, enquanto permanecem cada vez mais ocultos os débeis, os pobres, os “descartados”. E assim as porções de humanidade “alegres e vencedoras” tiveram de acertar contas com a fragilidade, o sofrimento, até a uma morte desesperante. Neste tempo escutei muita gente, na solidão do meu eremitério pensei muito e procurei interpretar o que estava a acontecer. Na escuta percebi muito medo, até angústia, por este vírus que andava entre nós invisível e desconhecido; um vírus perante o qual não são possíveis as defesas típicas dos ricos, de quantos podem contar com o seu poder. Em particular aqueles com mais de setenta anos, massacrados pelos boletins dos mortos e da exigência de se meterem “na cauda da fila” em relação aos mais jovens e fortes, passaram por momentos de abatimento. Quase todos pensaram na possibilidade concreta de serem contagiados e morrer. Nunca – diziam-me – tivemos a morte tão presente, nunca estivemos tão conscientes da nossa fragilidade. Desta maneira, a crise tornou-se uma pergunta sobre a fragilidade e sobre o limite da morte, a que ninguém pode fugir. Também descobrimos os limites da ciência, da medicina, de muitas realidades que antes nos pareciam garantias tranquilizadoras, a nível pessoal e social. Muitos dizem: «Livrámo-nos dela. Depressa festejaremos!». Tal reação vital é justificada, mas não deve obscurecer em nós o sentido do limite que (re)descobrimos, nem o acontecimento da morte, que aguarda cada um e pode chegar imprevistamente. Não creio que nesta crise nos tornámos automaticamente melhores, mais solidários, mais capazes de atenção ao outro. Issto depende da nossa vontade e das nossas opções, a serem renovadas a cada dia. Mas se hoje estamos mais conscientes do limite e da morte, então – como afirma o filósofo humanista Salvatore Natoli – «tendo presente a morte, seremos menos propensos a prevaricar sobre os outros». Só isto já não seria pouco! (Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura)

Não, não tenhais medo!

É impossível deixar esta data passar sem relembrar a marca do Papa Wojtyla. Ontem comemoramos o centésimo aniversário do seu nascimento: O Papa da Coragem! Recordo perfeitamente o seu discurso aquando da sua eleição: «Irmãos e Irmãs: não tenhais medo de acolher Cristo e de aceitar o Seu poder! E ajudai o Papa e todos aqueles que querem servir a Cristo e, com o poder de Cristo, servir o homem e a humanidade inteira! Não, não tenhais medo! Antes, procurai abrir, melhor, escancarai as portas a Cristo! Ao Seu poder salvador abri os confins dos Estados, os sistemas económicos assim como os políticos, os vastos campos de cultura, de civilização e de progresso! Não tenhais medo! Cristo sabe bem “o que é que está dentro do homem”. Somente Ele o sabe!» Sempre que pensamos neste Papa ocorrem-nos várias palavras que o procuram definir: O Grande; o Santo (basta lembrar o povo reunido na Praça de São Pedro no dia do seu funeral a gritar: “Santo subito!”); o Papa do Leste (que derrubou o Muro, o terrível Muro da Guerra Fria); etc.. No entanto, para mim e para muita outra gente, é o Papa da Coragem! Coragem ao anunciar ao mundo que o primeiro dever do seu ministério é o de anunciar Cristo: «Não, não tenhais medo! Antes, procurai abrir, melhor, escancarai as portas a Cristo!». Coragem em percorrer o mundo dizendo que a Igreja é Missionária e que era necessário uma Nova Evangelização! Foram 104 viagens internacionais com 129 países visitados. Coragem ao confiar nos jovens e ao convocá-los através das Jornadas Mundiais da Juventude! Para Wojtyla eles são a Primavera, “as sentinelas da aurora do novo milénio”. E os jovens corresponderam aparecendo aos milhares nessas Jornadas. Coragem ao convidar os representantes de todas as religiões do mundo para um momento de oração pela paz em Assis. Realizaram-se em 1986, 1993 e 2002. Coragem ao reafirmar a importância e o valor da família na construção da nova humanidade. Em 1981 instituiu o Conselho Pontifício da Família. Coragem ao afirmar que o egoísmo e o hedonismo são os grandes inimigos da sociedade em geral e da família em particular. Wojtyla denunciou tudo o que era a “ditadura dos muros” da época. Não apenas a ideologia comunista, mas também esta que ainda hoje dilacera o ocidente e que é a ideologia do consumo. Coragem perante o sofrimento e a doença. Além de ter sido baleado em 1981 em plena Praça de São Pedro, não podemos esquecer o “calvário” vivido por este santo na parte final da sua vida. Não foi um Papa perfeito, porque esse atributo é só de Deus, mas Coragem, mesmo nos assuntos e questões em que não reunia o consenso entre todos os seus seguidores, nunca lhe faltou. (© iMissio, 2020)

A vida é uma solidão com companhia!

A nossa vida é um longo diálogo connosco mesmos. Refletir é ver-se e escutar-se como se fossemos um outro diante de nós. Vivemos na constante presença do que somos, mergulhando por vezes bem fundo no nosso interior, em busca da paz que resulta da compreensão. Depois, há também em nós uma enorme força, uma espécie de pressão, que a partir do nosso interior nos quer para fora, para o mundo, e tudo faz para que partilhemos o que somos, como se o alívio das nossas inquietações só fosse possível no encontro com o outro. Então, por um lado, sentimo-nos únicos e sós, inexplicáveis a partir de fora! Por outro, a nossa essência empurra-nos para fora, para que nos comprometamos em projetos que ninguém consegue concretizar sozinho. Mas porquê? A verdade é que ninguém se basta a si mesmo, apesar de parecer que vivemos condenados a um isolamento em relação à compreensão e ao amor dos outros. Somos o sopro de um vento maior que brota do mais fundo da nossa alma. Vivemos escondidos à espreita de uma oportunidade de fazer explodir o nosso ser. Há quem tenha certeza da existência de Deus, mas julga-O longe, lá no Céu ou em qualquer outro espaço ou tempo. Mas estar em silêncio e não se poder ver não significa que algo não esteja diante de nós, ou atrás… ao nosso lado. Talvez até os nossos ombros se estejam a tocar! Importa que deixemos o nosso coração ver. Sentir. A solidão que ele sente é sua ou somos nós que a forçamos? É preciso que consigamos criar sossego dentro de nós. O que pensamos, sentimos, queremos, acreditamos, o que temos vontade de fazer e o que em nós nos ultrapassa, devem estar em paz uns com os outros. Talvez não seja preciso estarem afinadíssimos, bastará que não haja guerra! Sentir e apontar culpas é um sinal claro de uma inquietude enraizada e do nosso distanciamento face à felicidade. Impede-nos de viver, de nos redimirmos, de criarmos o bem a partir do que parece ser vazio. De sermos mais do que somos, sermos quem podemos e devemos ser. É bom parar de vez em quando, apenas para que depois possamos sair de nós e nos ocupemos das necessidades do outro, do mundo e das nossas próprias. Nunca estamos sós. Deus existe e não está longe. Está aqui. Ao nosso lado. O que nos é pedido é simples: que nos deixemos um pouco para trás, que olhemos e escutemos o outro, que o aliviemos das suas feridas… conseguindo fazê-lo sentir tão único quanto próximo! (José Luís Nunes Martins)

Normalidade

O estado de exceção que estamos a viver faz-nos ansiar pela normalidade, absolutamente necessária para o relançamento da vida. Mas de que falamos quando falamos de normalidade? De um modo apressado, seríamos tentados a identificá-la com o regresso exato à vida que tínhamos anteriormente. A mesma vida, com a sua paisagem, os seus ritmos, rotinas, enquadramentos e motivações. Essa é uma ideia que nos devolve segurança: pensar que estes tempos estranhos assim como chegaram vão partir, como se de uma anomalia de circunstância se tratassem, e que nós e o mundo nos reencontraremos na mesma posição de há uns meses. Em grande medida será assim. Mas também é verdade que não seria normal que tudo fosse exatamente como dantes. Mesmo tornando ao quadro habitual da nossa vida, é importante que nos perguntemos “o que é que no mundo e em nós se modificou” e “o que é que aprendemos com isso”. Não desperdicemos, portanto, a oportunidade que representa, pelo menos, fazer-se perguntas. Isso o escritor João Guimarães Rosa sublinhava: “Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas.” Nem tudo permanece o mesmo quanto à nossa perceção do mundo e à garantia dos nossos estilos de vida. Globalizámos a economia e a comunicação sem prestar atenção às forças e às fraquezas do globo terrestre, descurando assim equilíbrios que precisamos de salvaguardar. Acostumámo-nos a uma visão utilitarista da realidade, pensada como um mecanismo que nunca dorme, assegurado a 100% para uma produção e um consumo ilimitados. Queremos sempre mais, sempre mais depressa, sem aceitar falhas. Vivemos acima das nossas posses como se os recursos — a começar por aqueles naturais — fossem inesgotáveis. Pensámos o espaço físico como um vasto open space onde tudo pode acontecer de forma contígua. Ora, a pandemia devolve-nos a consciência do limite, ao mesmo tempo que nos obriga a refletir sobre as formas de habitar o mundo a que podemos voltar e aquelas modalidades que teremos de superar. A presente pandemia começou por ser enfrentada como um assunto sanitário, mas evidentemente reclama que a interpretemos de um ponto de vista mais alargado, como uma encruzilhada civilizacional. A normalidade não é um conhecido lugar a que se volta, mas uma construção onde somos chamados a empenhar-nos. Teremos certamente para lá chegar de reaprender a conjugar transformação e preservação. Porque este momento, a par da criatividade, também nos pede uma capacidade de perseverar, lutando para que o nosso património humano mais fundamental não seja omitido, porque somos seres de relação e não podemos viver sem comunidades. Uma das mais belas imagens destes dias é a de um avô de Michigan, nos Estados Unidos, que caminhou quilómetros a pé para ver, através da janela, uma neta que acabara de nascer. Na fotografia que circulou internacionalmente, está de um lado o jovem pai com a criança ao colo, e, do outro lado da vidraça, o sorriso indestrutível de um homem avançado em anos que, naquele momento, se sentirá a criatura mais feliz sobre a terra. A nova distância interpessoal não se pode tornar simplesmente um condicionamento (psicológico e social) que nos condene à solidão. A pandemia tem forçado a muitos “lutos relacionais”: desde a suspensão das práticas comunitárias ao reforçado isolamento dos idosos; desde a abolição do simples aperto de mão à situação daqueles pais que, reentrando em casa vindos do trabalho, hesitam em abraçar os próprios filhos. Mas é verdade também que se têm encontrado formas de comunicação e de presença que, não sendo substitutivas das anteriores, têm garantido o exercício comum da nossa humanidade. Este, a pandemia não deve poder suprimir. (D. Tolentino Mendonça in jornal Expresso)