Males que também podem vir por bem?

Já são muitos os dias que levamos de estado de emergência e de isolamento social. E não sabemos ao certo quando irá terminar. É um tempo difícil, todos o reconhecemos, porque nos impede de continuar a exercer, como gostaríamos, a nossa missão quotidiana. Impede, ou faz com que o façamos de maneira diferente, que encontremos formas de nos adaptar às circunstâncias e às contingências. É uma situação que não desejávamos e que não esperávamos. Podemos lamentar todo o tempo esta enorme dificuldade que nos atormenta e desespera, ou podemos tentar descobrir o que a situação traz de positivo… Não vou teorizar acerca desta pandemia que nos toca a todos. Não é muito o meu estilo alinhar em teorias da conspiração ou na ideia de castigos divinos. É um mal que está aí, que ganhou dimensões inimagináveis, que chegou onde ninguém pensaria que pudesse chegar. É um mal de que estamos a procurar defender-nos e resguardar-nos, que muitos combatem incansavelmente, na linha da frente ou simplesmente tudo fazendo para não contaminar outros, um mal para o qual muitos, em todo o mundo, procuram remédio. Apesar de todos os constrangimentos e contratempos, é um mal que trouxe algum bem: Já são muitos os dias que levamos de estado de emergência e de isolamento social. E não sabemos ao certo quando irá terminar. É um tempo difícil, todos o reconhecemos, porque nos impede de continuar a exercer, como gostaríamos, a nossa missão quotidiana. Impede, ou faz com que o façamos de maneira diferente, que encontremos formas de nos adaptar às circunstâncias e às contingências. É uma situação que não desejávamos e que não esperávamos. Podemos lamentar todo o tempo esta enorme dificuldade que nos atormenta e desespera, ou podemos tentar descobrir o que a situação traz de positivo… Não vou teorizar acerca desta pandemia que nos toca a todos. Não é muito o meu estilo alinhar em teorias da conspiração ou na ideia de castigos divinos. É um mal que está aí, que ganhou dimensões inimagináveis, que chegou onde ninguém pensaria que pudesse chegar. É um mal de que estamos a procurar defender-nos e resguardar-nos, que muitos combatem incansavelmente, na linha da frente ou simplesmente tudo fazendo para não contaminar outros, um mal para o qual muitos, em todo o mundo, procuram remédio. Apesar de todos os constrangimentos e contratempos, é um mal que trouxe algum bem: -de repente, apercebemo-nos que precisamos mesmo uns dos outros, que somos importantes para muitos, que precisamos de nos ver, de nos beijar e nos abraçar; -demos conta que havia coisas importantes ou até imprescindíveis na nossa vida que, afinal, até nem eram tão importantes e começámos a valorizar pequenas coisas, gestos muito simples, aparentemente sem importância; -antes parecia que não tínhamos tempo para nada nem para quase ninguém e agora nem sabemos muito bem o que fazer a tanto tempo; -conhecemos vizinhos, começámos a falar com eles e até cantámos com eles à janela ou à varanda; -afinal até temos jeito para cozinhar, limpar e arrumar e até nem é assim tão mau estar em casa e passar tanto tempo com a família ou com a comunidade; -entramos numa onda de solidariedade e interajuda sem precedentes e concluímos que até podemos ser úteis aos outros… A lista poderia continuar por aí abaixo, quase até ao infinito. O meu desejo é que todas estas coisas boas não acabem mal possamos voltar “à normalidade” e voltemos a correr de um lado para o outro. Que Deus, a família, a comunidade, os amigos, os vizinhos, os irmãos mais desprotegidos e necessitados continuem a ter lugar na nossa lista de prioridades e a nossa atenção redobrada. Não alinho no slogan que mais anda por aí: não vai ficar tudo bem, porque já não está tudo bem, quando há centenas de milhares de mortos e milhões de infetados, quando milhões já perderam o seu emprego e têm dificuldade em garantir o próprio sustento e o da família. Não está tudo bem, nem vai ficar tudo bem… mas podemos fazer a nossa parte para que tudo fique o melhor possível. Se acreditarmos mais uns nos outros, se dermos mais importância ao bem do que ao mal… amanhã será melhor! Mais do que nunca, a nossa solidariedade e a nossa partilha contam! Fazemos parte da solução, todos contamos e somos importantes na reconstrução de um mundo profundamente abalado. (P. José Agostinho Sousa, scj)

Sou peregrino: pés em casa, coração em Fátima.

A peregrinação nasce muito antes da gran­de viagem do peregrino. Foi um familiar, um amigo, um acontecimento, uma história, um desgosto, uma festa, uma imagem, uma luz, um medo, uma inspiração, uma aventura, uma voz, um sinal, vários sinais. E talvez convenha perceber a proveniência desses sinais, porque um vem de Deus. Ele pode chamar, fazer um convite para um tempo de intimidade, diálogo, ou para um tempo favorável à nossa transformação ou à nossa conversão. Importa nunca estar desatento a vozes e acontecimentos que são um aceno terno e discreto, ou mesmo um apelo nas entrelinhas de um evento que faz estremecer as nossas vidas e, porventura, as da comunidade. Vivemos num recanto do tempo e do espaço. O que reconhecemos em Deus é a ausência total de fronteiras e cada pequeno espaço tem para Ele a dimensão e a importância do mundo inteiro. E o contrário: o mundo inteiro é um espaço mínimo para Deus e ganha significado sempre que lá estiver uma pessoa. Onde estivermos nós. Trazemos dimensões de infinito e por isso nada há em nós de insignificante que não interesse a Deus. Do pesado carro dos nossos erros ao mais alto grau da nossa santidade. Aceitamos procurá-lo enevoadamente em busca da claridade. E aqui abre-se uma porta assombrosa onde passa a humanidade de todos os tempos: a grande Porta Santa das nossas vidas, dentro ou fora do Jubileu. Do lado de fora e de dentro está a misericórdia de Deus, que nos impele e recebe em festa como ao filho pródigo. Com o melhor protocolo que Deus reserva para os que o amam e batem à porta. Mais: Ele é a Porta. E surge a pergunta: porque não entrar na ala, não de santos esculpidos em série mas de uma multidão inumerável que há séculos ou milénios ouviu essa voz, acolheu essa luz vinda da montanha, sem muito oferecer, mas com muito para contar? E se eu subisse essa montanha e ouvisse essa voz? E se fosse, mergulhado na multidão, anónimo, marcar o meu encontro com esse Ser, Senhor da terra e dos mares, superior aos ventos e aos fogos e mais alto que todas as montanhas? E se me enchesse de coragem, perdesse a minha importância e fosse até Ele rodeado de silêncio, despojado de títulos e haveres, sem discurso estudado, apenas disponível para lhe contar em voz baixa o meu segredo que ninguém conhece porque nunca a ninguém contei? Guardo-o com mágoa e respeito no mais íntimo de mim mesmo. É talvez o momento de o abrir a Alguém que não me julga nem me condena. Apenas me escuta. E me olha. O seu nome é Misericórdia. Como o de sua Mãe. Peregrinar Vou. Sou multidão, mas não deixo de ser eu pró­prio. Não me perco. Nem preciso levar bandeira ou emblema. Ele conhece-me e recebe-me. E se tal não acontecesse, lá estará a Mãe. «Nunca se ouviu dizer que alguém tivesse invocado a sua proteção e por ela não fosse amparado.» E posso escolher o dia. Ir só, com uma ou duas pessoas de família, com amigos, companheiros cristãos de jornada, irmãos da mesma causa, ou apenas a mole de anónimos cada vez mais frequente em qualquer dia do mês ou da semana. E penso que é ideia minha. Engano. É um chamamento que Ele me faz. Pequena é a minha fé. Nem sei se tenho a porção mínima para me habilitar a esse encontro que seria o mais encantador da minha vida e explicaria todos os outros, e me prepararia para todos os embates com pessoas e acontecimentos que estão para vir. Estou no ponto zero duma caminhada. É isto que tenho no coração e que quero balbuciar, com os meus olhos apenas voltados para a montanha que quero subir. Sei que Alguém me aguarda, me recebe e me abraça. Vou levantar-me e pôr-me a caminho. E não vou de mãos vazias. Isto não passa dum começo. Vou acabar com a minha conversa e falar-lhe diretamente porque sei que me escuta à distância. Não preciso de telemóvel nem de intérprete. Vou diretamente ao assunto. (…) É incalculável o número de pessoas que, ao longo de um século, procurou Fátima, pediu, implorou, chorou e recebeu a graça que pedia. Quem poderá ordenar a sequência de ocorrências, de ordem física ou espiritual, ligadas a Fátima e dela resultantes? Poder-se-á dizer que há muitas maneiras de fugir à objetividade e ao rigor científico. Mas haverá muitas mais onde a ciência se perde e a narrativa se confunde consigo mesma na incapacidade de descrever a experiência vivida. Diz-se que não há crónica objetiva. O que recebe uma mensagem recebe-a e conta-a à sua maneira, molda-a, qual talha de barro que configura a água que recebe. Mas a verdade não é uma ficção. E Deus revela o que nem a vista viu nem o ouvido ouviu, como dizia Paulo aos Coríntios: «Fala­mos da sabedoria de Deus, oculta em mistério, a qual Deus ordenou antes dos séculos para nossa glória; que nenhum dos príncipes deste mundo conheceu… as coisas que o olho não viu e o ouvido não ouviu e não subiram ao coração do homem, são as que Deus preparou para os que o amam» (1Coríntios 2,7-9). «Tenho a minha fé» Não estará suficientemente estudada a presença de não-crentes em Fátima, ou de cristãos que abandonaram a prática da fé, ou que estão de costas para a Igreja. Muitos vêm «porque têm a sua fé», cuja expressão começa ora em Fátima, numa romaria, ora num batismo ou funeral a que tiveram de assistir por razões mais sociais que religiosas. Sabemos onde começa, não sabemos como evolui e termina. É a sombra de Deus que anda perto. Muitas vezes estes casos são vistos com alguma displicência. E a grande pergunta é outra: que mecanismos pastorais estão em estudo ou em ação para responder a estas situações que são tudo menos desonestas? São um estádio, um caminho, uma etapa, um degrau na subida. Poderá este peregrino nem

Não é uma mentira a primavera, por Tolentino Mendonça

Quantas coisas somos chamados a reaprender nestes dias! A vida também é isso: transformações, ciclos de luto, despojamento até à nudez, inflexões, demoras, viragens que recebemos como um choque e, não o esqueçamos, o horizonte dos nossos reflorescimentos. A vida também é esse apelo, que nos pode chegar através das formas mais dolorosas ou paradoxais, para que a escutemos melhor e a escutemos até ao fim, como provavelmente não o havíamos feito ainda. Porque a vida é o seu parto interminável, que também é o nosso; é este incessante modelar do inacabado, que a nossa gestação, a par da gestação do mundo, significam; é, em certos momentos, a desilusão por ser só isto e, em outras ocasiões, a louca garantia (e o adjetivo ‘louca’, para esta proposição, foi São Paulo que o inventou) de que não pode ser só isto. Existe aquele provérbio “Fazer boa cara a jogo mau”, com uma conotação nem sempre positiva, é verdade, pois pode representar uma prática de escapismo em relação ao real, uma dificuldade em se confrontar, cara a cara, com os seus pontos críticos, refugiando-se numa estratégia de alheamento ou de rodeio dos problemas. Mas, neste caso, sugiro para o provérbio um sentido noutra linha: fazer boa cara seria aqui esforçar-se serenamente para interpretar o que está a acontecer. Todo o apocalipse é uma revelação. Esse é, aliás, o sentido do termo grego apokálypsis, que devemos entender (e racionalizar) não como uma enigmática catástrofe ou um castigo mas literalmente como “o retirar de um véu”. Se, de uma forma tão violenta como aquela que o presente histórico vive, o véu que ocultava a nossa visão foi retirado, o que é que vemos? Penso que ficam a descoberto três coisas. A primeira é aquela expressa pelos cientistas, que nos recordam que o número das epidemias cresceu e crescerá, porque os nossos modelos de desenvolvimento não têm em conta o equilíbrio dos ecossistemas nem o respeito pela casa comum. A nossa missão é a de apascentar em vez de explorar e possuir a qualquer custo. Temos atuado como se estivéssemos sozinhos no planeta e esquecemo-nos de que partilhamos, com as outras criaturas, ambientes, potencialidades e também… vírus. Uma palavra urgente para o século XXI aprofundar é ‘conexão’. A segunda coisa é que os nossos estilos de vida, no contexto deste mundo globalizado, precisam de conversão. Construímos sociedades movidas pelo dogma do utilitarismo, que operam como mercados massificados e exibem um desinvestimento dramático no humano (vítima frequente da exclusão, da indiferença e do descarte). A corrida que nos impomos é produzir mais para consumir mais. E, com isto, desaprendemos o essencial da vida. Ora, precisamos de uma nova sabedoria, de modelos mais integrativos, de visões capazes de dialogar com a inteireza da pessoa humana nas suas diversas dimensões. Nestas semanas, por exemplo, o heroico empenho de tantos profissionais (a começar pelos do campo da saúde, mas também todos os que asseguram o funcionamento da sociedade nesta emergência), a solidariedade dos inúmeros voluntários e o sentido de responsabilidade que nos é conjuntamente pedido talvez seja o arranque de um tempo novo. Embora, como escreveu Camus, o bacilo da peste pode chegar e ir-se embora sem que o coração do homem se modifique. A terceira coisa é que não nos chega agir pelo medo de morrer ou pelo terror do que aí vem. Precisamos, sim, de relançar a nossa aliança com a vida. Precisamos de apostas de confiança neste dom incalculável que a vida significa. Por isso, não caiamos na armadilha de pensar que o azul do céu é uma ficção enganadora ou que a primavera não passa de uma mentira. Há uma verdade na beleza do mundo que somos chamados a hospedar. [©RevistaExpresso]

Solidões

Nem o sol da manhã é capaz de iluminar as nossas cidades tristes: nos centros históricos, as janelas continuam fechadas, as luzes apagadas e a vida ausente. O Terreiro da Sé e a ponte de D. Luís não parecem os mesmos: nus de pessoas, afiguram-se irreais. O Douro anda estranho e mais parece um lago do que um rio cuja vocação é correr para o mar. E o que mais choca é um silêncio que agride: não se ouvem rumores que não sejam as sirenes das ambulâncias. No meio desta e muitas outras imagens semelhantes, uma me impressionou: na Florença dos Medici, nessa capital mundial da beleza, uma raposa a passear-se numa avenida deserta, não longe da Catedral de Santa Maria del Fiore. Como quem demarca território: “Se não se veem humanos na cidade, então a selva pode tomar conta dela”. Tudo isto me traz à mente a situação dos «confinados». Penso em todos e nos seus dramas. Especialmente nos presos e nos utentes dos lares da terceira idade. Os primeiros, mesmo estando com muitos outros, na prática, estão sós. E sofrem um amargo isolamento. Será que, ao menos, nós estamos com eles? Os segundos, regam continuamente as raízes familiares, na esperança de que as mesmas não sequem. Mas, para alguns –para bastantes…- os filhos e os netos estão mais interessados no esquecimento do que propriamente no ressurgir de qualquer rebento de vida. Sim, há pais e avós «arrumados» nas estruturas de acolhimento que não recebem uma visita ao longo do mês inteiro! Nem sequer um telefonema! E até há os que pedem a uma funcionária para estabelecer uma ligação com os filhos e, não obstante as múltiplas tentativas, só encontram o silêncio da outra parte. Curiosamente, são estes quem, neste tempo de dificuldades multiplicadas para os lares, vão para as redes sociais criticar, dizer mal, dar pseudossoluções e mostrar uma preocupação que nunca tiveram. São gente sem coração e sem sentimentos que se engana a si própria julgando que engana os outros. Precisam de ser desmascarados. E que alguém ouse dizer-lhes: “A energia que gastas nisso seria mais bem empregue se, ao menos, telefonasses à tua mãe”. Neste tempo pascal, lembro-me da cena dos dois discípulos de Emaús. No caminho, eles iam solitários e deprimidos. Mas o Ressuscitado fez estrada com eles. E o coração começou-lhes a “arder” de júbilo e contentamento. Seja Ele quem retira a solidão dos solitários. (© 2019 DIOCESE DO PORTO)

Procura saber mais sobre ti.

Nada revela melhor a alma de alguém do que uma adversidade que lhe faz frente. A normalidade não é um bom tempo para avaliar o interior de ninguém. Há tantos fatores que podem ser determinantes de uma qualquer escolha, que se torna quase impossível. Nem nós mesmos podemos compreender o porquê da maior parte do que fazemos, de tantas e tão diversas que podem ser as causas. Em face de uma desgraça, cada um de nós mostra quem é. Talvez seja bom refletir na forma como lidamos com as nossas fragilidades. Assumimo-las ou preferimos não pensar sequer nelas, escondendo-as até de nós mesmos? Buscamos formas de ser mais fortes? Empenhamo-nos nelas? O que importa mesmo é que tenhamos a coragem de nos aperfeiçoarmos, começando nas coisas mais vulgares do nosso quotidiano, a fim de conseguirmos enfrentar de forma diferente a adversidade, quando for o momento. A grandeza ou miséria de cada um de nós preside a cada decisão que tomamos. Uma ideia que exploramos ou que afastamos. Uma emoção que consentimos ou que recusamos. A palavra que dizemos ou calamos. Tudo o que fazemos ou deixamos de fazer depende do que decidimos ser. De cada vez que escolhemos bem, tornamo-nos melhores. De cada vez que escolhemos mal, rachamos a nossa integridade. É essencial que tomemos tempo para meditar na nossa vida presente. Sem fugirmos para o passado ou para o amanhã. Cada dia é uma vida inteira. Quem sou eu agora? O que está à minha volta? Quem está próximo de mim? Uma virtude excelente é a capacidade de restringir os planos e sonhos ao mínimo essencial, poupando muito tempo e garantindo a concentração no que está ao nosso alcance imediato. Não podemos escolher o que nos acontece, mas podemos e devemos ter consciência de que a atitude com que respondemos a cada dia é da nossa inteira responsabilidade. Não é bom acreditar que o futuro imediato nos reserva belas surpresas e passar o tempo desesperado com o que não acontece. Há até quem julgue que a vida são apenas as alegrias, como se as tristezas não fossem naturais. Aceitemos a incerteza. Acreditemos que não nos é dado a compreender o sentido de quase todas as coisas. A morte é certa, a vida não. O tempo que digo que é meu é-me dado sem eu saber porquê. Que eu saiba, pelo menos, agradecê-lo. (José Luís Nunes Martins)