A Federação Portuguesa pela Vida vai promover, no fim desta semana, em diversas cidades do país, uma Caminhada pela Vida, na sequência de outras iniciativas do mesmo género que vem promovendo desde há anos. Permitam-me que dê um contributo para acrescentar fundamento a estas manifestações de real interesse, desde o ponto de vista da fé. E não me levem a mal que confesse que me pareceu ver, enquanto pároco de uma paróquia, algum mal-estar numa das pessoas promotoras que me abordou para divulgar, na eucaristia dominical, a realização desta marcha.

As associações pró-vida pensam-se, cuidadosamente, como apartidárias e aconfessionais. De certo modo, essa opção é muito oportuna, de forma a poderem congregar esforços de várias correntes espirituais que vão na mesma direcção, sem partilharem o ideário cristão. Mas torno a pedir desculpa para dizer que, espero, essa distância voluntária que mantêm em relação ao clero não seja uma desconfiança nas capacidades dos bispos e padres para ajudarem na defesa da vida. Seja como for, gostava de acrescentar algumas ideias que podem ajudar na promoção da vida, como a pensa uma bioética teológica, preocupação que deve unir os crentes e desafiar os não-crentes na tarefa comum de defender a pérola da vida de todos.

O primeiro aspecto que deve ser posto em evidência é que a tarefa de defender a vida é condicionada pelo contexto crente em que a vida é experimentada. E neste contexto, a vida não é um objecto, uma coisa que se vê e se delimita cientificamente, mas é, mais profundamente, uma experiência. Qual a diferença? As ciências exactas têm a tendência para pensar a vida como uma objecto de estudo e de observação que a ciência controla, que tem sob o seu poder e que tem a tarefa de defender por um combate sem tréguas perante as ameaças que ocorrem nos dias de hoje. Ora, esse modo de ver é imperfeito e carenciado de outro contexto anterior que laicos e crentes tendem a esquecer. Podemos exprimi-lo dizendo que a vida não é visível como os outros objectos, nem manipulável como as outras realidades, ou não é só isso. Originariamente, a vida é a experiência anterior a tudo, imanente, sentida por uma escuta, agradecida como uma graça. Dito de outro modo: não somos nós que defendemos a vida: do ponto de vista cristão, é a vida que nos justifica e nos defende a nós, antes de nós a defendermos a ela. Este aspecto de anterioridade é normalmente esquecido e isso enfraquece muito a nossa luta pela defesa da vida. Por isso, ocorre lembrá-lo e tirar as consequências disso, na hora de justificar uma ética e um sistema jurídico mais apto para a defender. Será esta lembrança que nos livra de um certo voluntarismo que, quase sempre, dá um sabor um pouco acre aos movimentos que, com boa vontade mas com algum excesso de zelo, promovem as manifestações pró-vida.

Outro ponto muito importante é a clara advertência que a promoção da vida é uma acção ética propriamente dita, antes de ser tudo o resto. Aquilo que a fé cristã promove é o respeito imaculado para que a vida seja sentida como graça e tarefa e unifique as vontades de todos para que nenhum ser humano, por nenhuma razão, caia na tentação de praticar o aborto, ou a eutanásia, ou o homicídio, ou a pena de morte, para já não falar das condições económicas ou culturais que banalizam a vida dos seres humanos e dos outros viventes.

Se partirmos desta plataforma comum, podemos fazer outra distinção muito importante que é fonte de muitos mal-entendidos. Trata-se de advertir que pode haver diversas configurações do sistema jurídico nas sociedades democráticas. Quero com isto dizer que a questão da penalização ou da despenalização do aborto ou da eutanásia é um assunto que não pertence ao núcleo de unidade que deveria haver na condenação moral do aborto ou da eutanásia. Deixem-me ser claro: pode haver cristãos (ou gente humanista) que prefere a despenalização, mantendo-se na zona da condenação moral desses comportamentos. Será isto ingenuidade? Talvez. De facto, há muita gente que confunde despenalização com licitude moral. Mas esta é outra discussão, uma discussão técnica. Podemos discutir qual a melhor moldura jurídica para acautelar valores morais.

As pessoas que defendem a vida podem contar com a força da razão teológica para defender a unidade quando se trata da defesa da vida e para defender a pluralidade de opiniões quando se trata de discutir penalizar ou não penalizar comportamentos.