Leitoras e Leitores na escala de serviço

Pergunta: A escala dos leitores da minha paróquia, por norma, coloca sempre mulheres a fazer a primeira leitura e homens a segunda. Motivo: numa formação litúrgica ensinaram que era essa a ordem correta. Pergunto se esse costume tem justificação porque eu, que sou sempre escalado para a segunda leitura, também gostaria de ler, por vezes, a primeira. [Pergunta assinada]

Resposta do Secretariado Diocesano da Liturgia:

Não há qualquer fundamento objetivo para uma regra tão estrita: primeira leitura – leitoras; segunda leitura – leitores. Não haverá, subjacente a essa « praxe », a ideia de uma progressão na «dignidade» dos leitores, dado que, fora do tempo pascal, a primeira leitura é sempre do AT e a segunda leitura é sempre do NT? Então, atribuindo ao AT uma menor «importância» (em confronto com o NT) e conformando-se à convenção que atribuía uma inferioridade ao sexo feminino, a escala mobilizaria quem é «menos digno» (!) para o que é «menos» importante e quem o é mais para o «mais» importante…

Se é esse o pressuposto implícito da referida regra, então teremos de dizer que o fundamento é falacioso. Recordemos, em primeiro lugar, que toda a Escritura é «palavra do Senhor», como se aclama no final da proclamação e toda ela é inspirada por Deus (2 Tm 3, 16). Jesus Cristo Ressuscitado insiste com os seus discípulos em que a Lei de Moisés, os Profetas e os Salmos – toda a Escritura, que então se limitava ao AT (os livros do NT serão redigidos a seguir) – a Ele se referiam. E é esse o modo cristão de ler o AT. Aliás, é conhecido o comentário de São Jerónimo que até ousa chamar «evangelista» ao profeta Isaías. A haver – e há – alguma distinção litúrgica entre os livros da Sagrada Escritura, em que alguns sobressaiam em «dignidade» sobre os demais e requeiram ministros especiais, essa apenas discrimina os quatro Evangelhos, o «Evangelho quadrimorfo» que, segundo a tradição, costuma ter maior investimento artístico e encadernação mais preciosa – o Evangeliário –, sendo objeto de particulares honras litúrgicas (levado em procissão, entronizado no altar, osculado, incensado…) e reservado à proclamação de ministros ordenados.

Quanto ao pressuposto de uma diferença de dignidade que inferiorize o sexo feminino ao masculino, diremos que esse preconceito cultural já há muito deveria ter sido superado porque, tanto na dignidade humana como na graça batismal, deve afirmar-se e manter-se, com São Paulo, que em Cristo não há homem nem mulher mas todos são um só (Gal 3, 28). Foi, sem dúvida, por isso que o Papa Francisco reviu a lei canónica da Igreja e superou a exclusão feminina dos ministérios laicais instituídos, incluindo o do Leitorado (Carta ap. motu proprio Spiritus Domini de 10 de janeiro de 2022).

Teremos de encontrar, por isso, outras justificações para a organização das escalas de leitores, superando qualquer rigidez ou preconceito. Idealizando neste âmbito uma possível «arte de celebrar» em que se promova a beleza da proclamação litúrgica da Palavra de Deus, poderá fazer sentido a procura de alternância entre vozes masculinas e femininas, porque a variedade contribui para a beleza e suscita de forma mais eficaz a atenção dos ouvintes. Na história do ministério dos Leitores o valor dessa alternância levou mesmo à admissão de crianças para esse serviço – também porque os timbres agudos e cristalinos infantis facilitavam a audição das leituras nos amplos espaços das basílicas, quando não havia recursos técnicos de amplificação eletromagnética – evolução essa que depois conduziu à desvalorização e até esvaziamento do ministério de leitor e seu exercício responsável. Essa alternância de vozes e timbres poderá ser, portanto, sem qualquer rigidez e automatismo, um dos critérios presentes na elaboração das escalas de leitores. Se possível, nessa sequência tenha-se também em conta a articulação com o serviço do(a)s salmistas, porque a Liturgia da Palavra é um todo.

Frequentemente, as escalas funcionam de uma forma mais ou menos automática, para evitar monopólios e ser equitativa. Contudo, correndo o risco de algum subjetivismo, seria preferível que as vozes fossem escolhidas em função dos textos a proclamar (mais líricos, ou narrativos, ou exortativos…), escolhendo as mais adequadas a cada género. E se há algum leitor ou leitora mais capaz, que lhe sejam confiadas as leituras mais difíceis. Elaborar uma ordem de serviço com essa atenção dá muito mais trabalho e pressupõe capacidade, preparação e responsabilidade por parte de quem coordena esse ministério.